Sonhos: Evolução, Função e Ferramenta Terapêutica (com Sidarta Ribeiro | UG#62)

O que é um sonho? Qual o papel dele na nossa espécie? Outros animais também sonham? Para explorar essa temática, trouxemos o pesquisador Dr. Sidarta Ribeiro.

Neste episódio, exploramos os aspectos evolutivos do sonho, o comportamento do sonho em outros animais, o papel do sonho na nossa construção cultural e a utilização do sonho como ferramenta terapêutica.

Sidarta Ribeiro é professor titular de Neurociências e vice-diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). É Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília (1993), Mestre em Biofísica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994), Doutor em Comportamento Animal pela Universidade Rockefeller (2000) com Pós-Doutorado em Neurofisiologia pela Universidade Duke (2005). Tem experiência nas áreas de neuroetologia, neurobiologia molecular e neurofisiologia de sistemas, atuando principalmente nos seguintes temas: Sono, sonho e memória; plasticidade neuronal; comunicação vocal; competência simbólica em animais não-humanos; psiquiatria computacional, neuroeducação, psicodélicos e política de drogas.

Sugestão de livros

Temas abordados e resumo do episódio

0:00 Introdução
0:54 Currículo de Sidarta Ribeiro
2:00 Sidarta Ribeiro e sua relação com o sonho
5:53 Outros animais sonham?
17:06 Evolução biológica e o sonho
26:01 Sonho e Construção Cultural
31:53 O sonho e a evolução dos pensamentos
35:59 Diferenças culturais em relação ao sonho
40:04 O impacto das telas no sono
42:42 O sonho pode ser uma ferramenta terapêutica?
44:34 É possível testar cientificamente o impacto dos sonhos?
50:05 Diálogo entre diferentes áreas do conhecimento
52:26 Estudos sobre a mente e substâncias psicodélicas

Referências do episódio

Transcrição

Bruno Mascella: Bem-vindo, Sidarta. Obrigado por aceitar nosso convite!

Sidarta Ribeiro:

Prazer estar com vocês aqui. Acho que, pelo que eu já pude conversar com vocês antes e das nossas equipes, a gente vai ter uma conversa muito interessante.

Bruno Mascella: A gente sempre gosta de começar essas conversas com nossos convidados, entendendo um pouquinho da trajetória e também por que você chegou a estudar essa questão de sonho, principalmente com o que a gente vai conversar aqui no podcast.

Sidarta Ribeiro:

Eu sou biólogo formado na Universidade de Brasília (UNB). Depois, fiz um mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no Instituto de Biofísica. Já estava envolvido com neurociência nesse momento e, então, fui para Nova Iorque fazer um doutorado em comportamento animal em neurociências na Universidade Rockefeller. De lá para cá, sono, memória e sonho passaram a ser o tema principal da minha pesquisa. E isso aconteceu por causa de coisas que eu experimentei durante o doutorado.

Eu cheguei em janeiro, em Nova Iorque, no inverno, com seis meses de atraso em relação à minha turma que estava fazendo mestrado no Brasil. E quando eu cheguei, estava tudo muito acelerado. O pessoal estava em alta velocidade nos seminários, lendo papers, tendo um monte de discussão legal. Só que eu não entendia nada.

Eu não entendia nada porque estava desatualizado. Eu não tinha acesso a livros e textos atualizados. Eram versões antigas, pois a situação no Brasil ainda era bem precária. Além disso, estava muito fora do meu ambiente, então não conhecia quase ninguém. Os dias eram muito curtos, as noites muito longas, e eu desenvolvi uma hiper-sonia. Ficava com sono o tempo todo, comecei a dormir em todo lugar, até nas aulas. Então, decidi não ir para o laboratório, pois lá não conseguiria render.

Quando chegava lá, dormia no sofá do laboratório, no meio da maior amigo. E o pior de tudo é que, de repente, eu parei de entender inglês, mesmo já entendendo inglês há muitos anos. Então, teve uma hora em que me rendi e pensei: “Já que estou nesse estado, vou ficar dentro de casa, dormindo mesmo.”

Cheguei a dormir dezesseis, dezessete horas por dia. Nossa! E tive muitos sonhos muito vívidos, que pouco a pouco foram fazendo as pontes com aquele novo mundo. E quando veio a primavera, de repente, saí de uma situação de total adaptação para uma situação de ótima adaptação. De repente, estava entendendo inglês, entendendo a biologia, tinha amigos e estava fazendo trabalho no laboratório que deu certo e foi publicado. Então, a coisa engrenou e minha pesquisa era sobre como o cérebro dos pássaros Canoros representa o canto.

Continuei a fazer esse projeto, foi minha parte principal da minha tese, mas essa experiência me deixou muito intrigado. Então, comecei a fazer uma pesquisa em paralelo em outro laboratório sobre os mecanismos ligados ao processamento de memórias que ocorrem durante o sono, especificamente durante o sono REM, que é o sono de movimento rápido dos olhos, quando a gente sonha mais e que tem muito a ver com processamento emocional, memórias emocionais, memórias de procedimento e pensamento simbólico mais complexo, que está ligado à simulação de comportamentos adaptativos. Foi algo que me pegou visceralmente, porque tive que fazer o estudo de casa e senti na própria pele. Pensei: “Isso é muito interessante.” Na verdade, naquela época, a gente sabia muito pouco sobre esses mecanismos. Hoje, a gente sabe que tem.

Caio Huck Spirandelli: E Sidarta, indo mais para uma questão evolutiva mesmo, até comparando com outros animais, o sonho, ele está presente em. A gente consegue ver isso em mamíferos, até a nossa espécie. Como é que isso está presente no reino animal?

Sidarta Ribeiro:

A pergunta é ótima, Caio. O que a gente sabe hoje é muito mais do que a gente sabia há vinte anos atrás. Há vinte anos atrás, a gente achava que sono era uma coisa típica de mamíferos, e que os vertebrados tinham algum tipo de sono, mas só os mamíferos teriam sono REM, e que o sono é uma coisa mais recente, e que os outros animais fariam uma espécie de descanso oportunista, mas não ligado ao ritmo circadiano e tal, tudo escala por terra.

Hoje a gente sabe que praticamente todos os animais têm algum tipo de sono, e mesmo alguns organismos unicelulares têm alternância entre atividade e quietude. Então o sono, esse sono do corpo, muito quieto, é antigo, ele existe já em animais como a Hidra. Hidra tem sono, e esse sono é o que a gente chama, de maneira comparativa, de sono quieto, né? E que é semelhante ao sono que a gente tem durante a primeira metade da noite, chamado sono de ondas lentas.

Então, se você olhar no córtex cerebral de uma pessoa em sono de ondas lentas, você vai perceber ondas cerebrais de grande amplitude, muito grandes com baixa frequência, e isso faz com que os neurônios funcionem com longos silêncios, então eles têm disparos. Tá? Tá, tá, tá, tá, tá, tá, quando tá no alto da onda. Depois, lá embaixo, o silêncio. Depois tá, tá, tá, tá, tá, de novo, umas rajadas. Depois silêncio, silêncio. Esses intervalos eles criam, na verdade, impossibilitam que a consciência aconteça, porque as oscilações de alta frequência não podem acontecer. E você basicamente tem um processamento de memórias a nível celular, mas não a nível da consciência.

É uma coisa que tá acontecendo de maneira distribuída, mas não gerando uma consciência. Se acordar a pessoa no sono de ondas lentas, ela vai falar que tem alguns pensamentos, talvez, mas não um sonho. Esse tipo de sono, provavelmente, ele é o sono ancestral, que tá em todos os animais, e talvez antes disso, tá nos esponjas, que são os mais antigos, talvez. Não sabemos ainda, mas em Hidra, por exemplo, já tem.

Em animais como a Hidra, já existe o sono REM, que é o sono de movimento rápido dos olhos, durante o qual a gente sonha intensamente, que ocupa a segunda metade da noite em seres humanos. Ele tá presente em todos os mamíferos que foram estudados, exceto os mamíferos aquáticos. Tem uma discussão sobre os mamíferos aquáticos, porque eles não podem parar de nadar, então dormem só com um hemisfério. Se eles fazem também sono REM com esse hemisfério, nós não sabemos, aparentemente não. Então, talvez o sono REM tenha sido perdido nos mamíferos aquáticos. Não colocarei minha mão no fogo sobre isso, acho meio improvável.

Acho que eles devem fazer de algum jeitinho que a gente ainda não detectou, mas enfim, em todos os outros mamíferos terrestres, tem sono REM. E nesses animais, por exemplo, no gato, já foi demonstrado desde os anos sessenta, nos experimentos clássicos do Michel Jouvet, que quando existe uma lesão dos neurônios inibidores que promovem a inibição dos músculos durante o sono REM, se esses neurônios forem destruídos, um gato, por exemplo, vai, na hora do sono REM, ele vai atuar, vai realizar comportamentos típicos da espécie, atacando, fugindo, miando, sugerindo fortemente um conteúdo subjetivo, ou seja, um sonho, né?

Agora, os mamíferos não são os únicos animais que têm o sono ativo. A gente descobriu há uns vinte anos que os pássaros também têm esse sono ativo. Só que ele é bem curto, dura entre segundos e um ou dois minutos, mais recentemente foi uma publicação importante na Science, a demonstração de que répteis também podem fazer isso. Na verdade, era uma coisa que já se sabia antes, mas agora foi demonstrado com muita propriedade, por um grupo francês trabalhando na Alemanha, que de fato, os répteis podem ter o sono ativo semelhante ao sono REM, mas só numa certa faixa de temperatura. Ah, eles não podem, tá muito quentes nem muito frios. Tem que tá numa temperatura específica, no caso de mamíferos e aves, isso não é um problema, porque são animais de sangue quente.

E também tem curta duração. E aí né? Também surgiu já, né? Em anos, nos últimos cinco anos, uma evidência de que invertebrados também podem ter um sono ativo, especificamente em cefalópodes, a cepia, né? Que parece uma lula, mas não é bem uma lula. E esse ano, a gente publicou no meu laboratório, a gente publicou a demonstração em polvo. Uhum. Eu até brinco com o pessoal que fascina o que os polvos e os sonhos têm, porque foi um artigo estritamente comportamental, a gente mediu, a gente filmou os polvos, mostrou as variações na pele, na textura, na cor, o movimento dos olhos, e eles são não responsivos nesse estado. A cada meia hora, mais ou menos, os polvos entram num estado de cerca de quarenta segundos de sono ativo, em que eles, o corpo tá super colorido e mexendo, mas eles não respondem a estímulos. Esse estudo correu o mundo, teve mais publicidade, esse paper do meu laboratório, do que todos os outros, por esse fascínio mesmo.

E teve um outro grupo que publicou também esse ano uma evidência de sono ativo em drosófila, em música, essa música que a gente usa muito na pesquisa científica, que é a mosca de fruta. Então, assim, o que isso sugere? Isso sugere que o sono ativo não é uma característica exclusiva dos mamíferos e das aves. Sugere que ele tenha evoluído independentemente em vertebrados e invertebrados, né? E isso se aconteceu, sugere que houve uma pressão seletiva muito forte, alguma coisa muito importante no ambiente, dizendo “isso é bom, isso promove adaptação”, e teria selecionado então, de maneira independente, talvez vertebrados e invertebrados. E talvez mesmo duas vezes nos invertebrados, porque entre moluscos e insetos tem uma distância substancial e os outros moluscos não têm. Eh agora, tendo dito tudo isso, o que a gente chama de sonho não é um curta-metragem de um minuto. Uhum, uhum. Então, por exemplo, nos pássaros, tem evidência de que durante esse sono ativo, eles estão reativando padrões de memória que equivalem ao próprio canto, então eles estão reiterando o próprio canto. O que evidentemente pode ter uma utilidade ecológica direta.

Mas no nosso caso, os sonhos são uma outra coisa. Os sonhos são filmes de quarenta minutos, cinquenta minutos. Os ornitorrincos passam de uma hora no Sono REM. Isso cria a possibilidade de um dispositivo cognitivo muito mais sofisticado, muito mais complexo, né? Isso cria a possibilidade de simular situações complexas e simular ações diante desses cenários, e simular as consequências dessas ações, simular aquilo que, na filosofia, se chama de contrafactuais, na economia, também contrafactuais. Ou seja, realidades alternativas possíveis. E isso significa um espaço de simulação de comportamentos.

É uma coisa que provavelmente começou a evoluir lá atrás, na origem dos mamíferos, há duzentos e vinte milhões de anos atrás, com o alongamento do sono REM. Então o sono REM já existia em algum ancestral primitivo, mas era muito curto. Começou a ser esticado, né? E os mamíferos, a gente tem que lembrar que os mamíferos entre a sua origem, a duzentos e vinte milhões de anos, e a extinção dos dinossauros, há sessenta e cinco milhões de anos, quase todo o tempo de evolução dos mamíferos foi uma pressão de seleção gigantesca, contra a sua diversificação, porque o planeta estava ocupado por dinossauros que ocupavam todos os nichos ecológicos.

De dinossauro na terra, na água, no ar. E os mamíferos, se a gente olhar como eles eram há cento e sessenta milhões de anos, ou a sessenta e cinco milhões de anos, passou um tempão e eles continuavam parecendo um camundongo, ocupando o mesmo nicho totalmente comprimidos, e provavelmente esse dispositivo neurobiológico de tentar prever o futuro com base no passado, aquilo que eu chamo de um oráculo probabilístico, provavelmente isso foi importante pra dar a eles uma vantagem cognitiva sobre os outros animais que permitiu que eles sobrevivessem esse tempo todo, lá naquele espacinho muito restrito.

E só então, com a queda do meteorito de Chixulá lá em Yucatán, nem era o Yucatán ainda, enfim, né? No que hoje é Yucatán, é que deu pros mamíferos a chance de se irradiar por todo o planeta, ocuparem todos esses nichos, terem toda essa diversificação morfológica. E aí a gente vai perceber que os mamíferos são justamente os animais, grupo de animais, que têm as capacidades cognitivas mais impressionantes, com exceção de alguns pássaros, né? Os mamíferos realmente são campeões em flexibilidade cognitiva e são campeões na simulação, não só dormindo, mas na simulação acordados, ou seja, imaginando, brincando. Principalmente os filhotes, né? E isso liga com uma outra questão que deve ter dado vantagem pros mamíferos, que é o fato de que podendo brincar, podendo ter esse mundo da fantasia ativado, né? E quando você tá com o mundo da fantasia ativado, quando você tá imaginando coisas, você tá usando as mesmas áreas cerebrais que você usa pra sonhar.

Uhum, a rede de modo padrão, né? Isso dá pra esses animais a possibilidade de nascer com um hardware muito imaturo. Então são animais que nascem muito vulneráveis. O filhote de tigre, o filhote de leão, é muito vulnerável, diferente de um filhote de tubarão ou de crocodilo que é um mini tubarão, um mini crocodilo. Não, o Tigrinho não é, ele não é perigoso pra ninguém, né? Mas ele tem tempo de amadurecer com muito cuidado parental, brincando com os irmãos, ou seja, construindo um software complexo, enquanto o hardware dele vai amadurecendo. Então isso gera animais que são muito, muito, muito poderosos cognitivamente quando adultos. Uhum, né? E o sono tá ligado a esse processo, de aquisição de memórias e de simulação de comportamentos perigosos num ambiente seguro, seja o ambiente do sonho, seja o ambiente da brincadeira.

Bruno Mascella: Entendi. A gente estava até discutindo isso também em cidades. Essa questão, a gente gosta muito do papel evolutivo. Entender o processo evolutivo na maioria dos episódios do podcast. A gente sempre traz esse tema, né? E em relação ao sonho sobre o papel dele nessa questão de seleção natural, ela tem realmente esse papel de possibilidade, de tomada, de decisão, de entender o futuro e ao mesmo tempo um papel de saúde. É neuro da neurociência. Vamos dizer assim, uma saúde mental com melhor produção de neurônios, remodelação neural. Esses dois papéis, vamos dizer assim, que olha que a evolução tem.

Sidarta Ribeiro:

Então, se você olhar a evidência da psicologia, a evidência produzida pela psicologia nos últimos cento e vinte anos, você vê que ela tem uma disparidade, porque aquilo que a psicologia de profundidade diz, seja Freud, seja Jung sobre os benefícios dos sonhos ainda está longe de ser pesquisado direito. Na psicologia experimental, quantitativa, a primeira demonstração de que quando você sonha com uma tarefa, você se torna mais apto a realizar essa tarefa é de dois mil e dez do grupo do Robert Seco em Harvard. E ele então, em dois mil e dez, ele corroborou empiricamente um lindo artigo na Bad, um artigo super importante. Depois dele, outros vieram, não muitos, mas ele está corroborando uma coisa que o Yung falou um pouquinho depois de mil e novecentos, que o sonho prepara o sonhador para o dia seguinte. Então, existe um hiato aí e esse ato diz respeito inclusive ao ostracismo que o Freud e o Jung e seus colaboradores e discípulos enfrentaram, né?

No âmbito das ciências das ciências biomédicas, mais especificamente, só que isso mudou. Está mudando agora os de o que tá muito bem documentado, o que a ciência já Palm e cartografar bastante bem são os benefícios cognitivos emocionais. O uso das sonecas no ambiente escolar é uma coisa que eu tenho feito no meu laboratório há quinze anos. Hoje, quando eu cheguei ao Rio Grande do Norte em dois mil e cinco depois de onze anos nos Estados Unidos, eu tava trazendo pesquisa de laboratório de modelo animal pra sala de aula pra estudar criança pra estudar adulto pra estudar analfabeto pra estudar indígena pra estudar pacientes psiquiátricos pra estudar. Enfim, pra abrir o leque de oportunidades e também pra fora de da espécie humana em outras espécies estudando Comportamento de polvo, etc.

E logo no início, quando eu cheguei, eu comecei a fazer pesquisa de soneca em sala de aula. E como isso pode melhorar o aprendizado? Uma secretária de Educação falou: Vamos implementar isso em todo o estado e eu falei não, a gente ainda não sabe né? Como fazer isso direito? Mas hoje, depois de quinze anos de pesquisa, a gente sabe como fazer e a gente já fez bastante. Então esse é o tipo de coisa que tá, eu diria assim, tá bem estruturada, né? Bem estruturada. E se uma pessoa quer ter saúde, seja saúde mental ou saúde física de uma maneira mais ampla. Ela precisa ter sono de boa qualidade, alimentação de boa qualidade e exercício físico de boa qualidade. Isso é um fato muito bem comprovado. Isso tem a ver com longevidade e um prognóstico de doenças.

Caio Huck Spirandelli: É que é muito complexo também, né, essa parte simbólica. Interpretativa também do sonho? É algo que, enfim, entra numa complexidade grande. Eu acho que até a questão de testar a hipótese também, né? Uma hipótese do tipo, de tipo Ah, a vantagem adaptativa do sonho enquanto predição, por exemplo do futuro é algo muito complicado de se fazer, né? É muito complexo de fazer. Então acho que demora um vai demorar um pouco. Eu acho que pra um pra pra desenhar os estudos, né? E outro pra testar a hipótese e e e levar eh tipo e e verificar, né? Se ela realmente se sustenta ou não, né?

Sidarta Ribeiro:

Uma coisa que é difícil de você fazer em laboratório é é criar situações que tenha a importância emocional da vida real, né? Então você tem uma coisa muito grave na tua vida, uma doença séria, um teu emprego que tá em risco, uma coisa importante. Uma criança chegando na família, enfim, quando essas coisas acontecem, se a pessoa presta atenção nos sonhos, os sonhos aglutinam tudo isso dão imagens incríveis. É muito poderoso agora.

Como é que você leva isso pro laboratório? É difícil, porque, quando você vai no laboratório, tudo fica pálido perto da vida real, né? Então eu acho que isso é parte do problema, mas isso pode ser endereçado. Uma coisa que a gente tem feito no nosso laboratório, Já há vários anos tem pesquisa nisso, Já foram três doutorados nisso aí.

É investigar a teoria da presa e do predador. Então, uma teoria importante sobre a evolução dos sonhos é que eles evoluíram como simulação de ameaças possíveis de predadores e, né? E portanto, nessa chave, nessa inversão, presa e predador que é tão típica da situação natural, né? Todo mundo que sai pra caçar pode ser caçado sempre. Então, muita gente vem propondo isso. Uma Origi originalmente é uma proposta do do Anti Revan Sulu, da Kátia Vale, lá da Finlândia. Ah, há uns vinte anos atrás, muita gente vem pesquisando isso em diferentes situações. Algumas pessoas corroborando isso outras não eh uma coisa que a gente tem feito, então no laboratório é trazer as pessoas pra um jogo de videogame.

De em primeira pessoa, duas pessoas em paralelo, sendo registradas eletro graficamente em paralelo jogando uma contra a outra. Só que uma tem arma, a outra não tem uma presa predador. E aí a gente registra o jogo. Depois elas dormem, tem uma soneca, a gente registra o sono, a gente termina o sono, a gente pega o sonho e aí no dia, segui de logo em seguida. Não no dia seguinte, porque sai no mesmo dia e aí elas jogam de novo. E aí a gente tenta ver o que que o sonho tem a ver. E o sono tem a ver com Ah, os a melhoria, Os ganhos ou as perdas que elas mostram nessa segunda sessão, e o que a gente viu até agora é que os efeitos são notáveis para as presas, mas não são notáveis para os predadores. Então hipótese um tá né? Sonho é uma coisa que evoluiu para as presas.

Improvável uhum só nas presas. Improvável. Até porque quem sonha mais são justamente os que ocupam o topo da cadeia alimentar pois podem dormir mais.

Sidarta Ribeiro:

É uma hipótese dois é que essa situação de laboratório, ela é incômoda e desagradável para quem tá na posição de presa. A pessoa tá lá tomando um monte de tiro morrendo toda hora. E ela tem uma motivação grande pra pelo pra, digamos assim pra aprender o labirinto. Pra saber onde consegue os kit pra sair daquela situação desagradável? Sim. E aí? Os sonhos se expressam como algo relevante, mas que, no caso dos predadores, na verdade é o contrário. Na verdade, a segunda sessão ela é mais monótona do que a primeira. porque fica fácil e e enfim, aquilo não vale nada na vida real e a pessoa joga lá. Uma hora de né só só muito uma pessoa muito sádica pra ficar muito motivada. Então então a gente tá achando que tem a ver com isso né, fome! Interessante de levar esse mesmo experimento pra um paintball.

Caio Huck Spirandelli: E tem a fome do predador também, né? O tem a fome que ele não tá sentindo. Ele não tá com medo de não conseguir comer e alimentar os seus filhotes, né? E tem, enfim, tem outras outras circunstâncias que é difícil você emular, né?

E quanto à construção cultural humana, você acha que o sonho tem um papel fundamental nesse processo?

Sidarta Ribeiro:

Eu acho que sim. O Oráculo da Noite, publicado em 2019, é um livro em que eu faço esse argumento. O argumento é a criatividade, a inventividade, a possibilidade de reestruturar memórias junto, pegar ideias velhas. Misturar essas ideias novas é algo. que deve ter vindo do sonho noturno, ou seja, o sonho diurno.

O devaneio é provavelmente uma invasão do sonho na vigília. Um processo algo psicótico eh essa ideia é uma ideia mais antiga, não fui eu que propus. Muita gente acha que lá na origem, a gente era mais psicótico, né? Eh e A. E inclusive Gilian Genes propôs que isso veio até a Idade do Bronze.

Mas o que eu acho que é muito evidente é que o nossa espécie ela entrou num, ela entrou num numa espécie de catraca cultural, né? Uma catraca cultural é uma coisa que só anda numa direção o conceito do Michael Thomas. Ele é um psicólogo estadunidense, então, a partir de um certo momento a gente entrou num vórtex de produção e de acúmulo de conhecimentos. Que se você olhar pro, digamos, pros australopitecos, né? Houve uma aceleração muito grande entre dois milhões e um milhão de anos, mas muito mais ainda entre um milhão e quinhentos mil. E, mais ainda, entre quinhentos mil e duzentos e cinquenta mil mais. Ou seja, isso é um processo exponencial. É um processo que vai dobrando essas apostas. Tá? Tá, tá, tá, tá, tá, tá e e muito rapidamente. A gente saiu de uma situação praticamente só natural, pra uma situação quase que só cultural. foi muito rápido. O que nos distingue dos outros animais a capacidade de sonhar? Não os outros mamíferos, quase todos sonham. O que nos distingue é a capacidade de narrar ações, compartilhar ações.

No momento que a gente pega e fala olha, eu tive uma visão de uma coisa que não existe e eu conto pra vocês. E isso vindo não como uma simples, uma ideia, mas geralmente com a. Quer dizer, A gente presume se se pensarmos na mentalidade que tá documentada no na antiguidade, e olharmos pra trás com essa imaginação! Eh A gente tá falando de visões que vinham com uma autoridade divina, uma autoridade de ancestrais já falecidos, uma autoridade. né? De de experiências que eram místicas não eram experiências triviais, prosaicas. E aí a pessoa vinha com uma ideia. O valor tem uma ideia nova. E essa ideia vocês ouvem, vocês gostam, a gente implementa elas juntos!

Bom, aí a gente liga essa catraca. A gente tá acelerando o acúmulo cultural e tá acelerando a capacidade de realização coletiva, de sonhos, que são, inicialmente individuais, depois coletivo.

Bruno Mascella: Sim, faz sentido. É pensando nessa questão probabilística também, né? Esse data eh além do viés de memória, né? Então você sonhar com uma coisa e várias coisas, né, e não acontecer. E quando acontece você faz esse link. Acho que aumenta essa probabilidade de interesse pra essa pessoa e aí? Talvez entrar até no processo de seleção sexual, né? Mas acho que entra nessa questão probabilística, né? De tipo uma repetição de sonhos e isso e de uma certa porcentagem ocorrer realmente e isso favorecer de alguma forma a conduta do clã, a conduta do grupo, né?

Caio Huck Spirandelli: É e claro que a gente tende a valorizar muito as coincidências, né, exato. Você tem dez sonhos prevendo o futuro. Apenas um acerta algo.

Sidarta Ribeiro:

Agora tem uma outra coisa também, né? Hoje em dia, na vida de todo mundo, que não tá passando fome, que são dez por cento da população mundial, até mais. Mas na vida das pessoas que estão com as suas necessidades materiais relativamente bem atendidas, a gente tem tantos pequenos problemas que fica muito difícil você ter um sonho muito impactante, ou muito evidente, ou claramente te indica uma direção, né? E então assim, nos nossos sonhos, não são os sonhos típicos da nossa ancestralidade. Esse oráculo probabilístico é num contexto de contemporaneidade de uma explosão de pequenos problemas, ele tem muita dificuldade de acertar, ele vira uma colcha de retalhos. Ele é muito, ele tem muito mais chance de fazer uma predição acurada ou de desenhar um cenário de maneira inteligente sensível, né? Que facilite a navegação nessa situação, quando você lida com um número menor de variáveis. No mundo natural, os animais lidam com muitas variações sobre o mesmo tema, qual é o tema? Matar, não morrer e procriar, exato? Nós também estamos, né, regidos por esses imperativos, mas a gente meio que passa a vida toda achando que não, adiando, procrastinando, né? Ou fatiando esses problemas, enfim, lidando administrando isso, daí e emocionalmente, dando muito mais valor a outras coisas, porque, senão a gente enlouquece também pensando na morte. Então você fica pensando em outras coisas, né? E isso torna o sonho uma coisa meio bar, meio tijolo, uma coisa que, de vez em quando faz muito sentido. Mas raramente faz sentido. Mas se a gente tá colocado numa situação parecida com a do mundo natural, se você tem um problema gigante na sua vida, que faz os outros ficarem pequenininhos. Aí é aí que cê tem que tomar uma decisão, né? E aí que o horário probabilístico pode ser mais útil, porque ele evoluiu pra nessa situação. Ele evolui nessas circunstâncias. Sim? Sim.

Caio Huck Spirandelli: Sem dúvida é que ele pode ser reaproveitado, né. Eu acho que até pra questão científica, até né, Eu não sei o se. Já foi feito algum estudo, por exemplo, pra ver formulação até de hipóteses ou de ideias pra pra estudos. O quanto delas vem dum processo diurno de pensamento de na vigília ou se o quanto deles vem. A gente sabe que historicamente tem relatos, né, De cientistas falando não. No sonho me veio a parada e, né? E me veio a ideia, e isso deu um avanço razoável, mas seria interessante até mapear isso hoje, né? Quando os cientistas tem, tem alguma ideia nova, ou tem alguma, alguma coisa que alguma perspectiva interessante de como ela foi formulada, né? Se teve algum sonho em torno disso? Talvez até um. Uma pesquisa pra ver o quanto que se tem alguma influência. Mas realmente, se não tem às vezes a questão da pressão, a questão da desse, de você querer resolver um problema, tem um papel fundamental no de sonhar com aquilo.

Sidarta Ribeiro:

Também, né, sabe Caio. Eu acho que depois que a gente desenvolveu muito bem a nossa capacidade de imaginação, essa necessidade de recorrer ao sonho da noite. Ela ficou menor? Ah, sim, né? E isso é bem notável. Por exemplo, no caso dos matemáticos tem. Você encontra exemplos de sonhos importantes na história da química, da fisiologia. O sonho do Mendeleiev, o sonho do Kekulé, o sonho do Otto Loewi, esses sonhos estão lá! Estão descritos, mas na matemática, por exemplo, você quase não encontra. A exceção é o Ramanujan e, provavelmente porque o Ramanujan tinha revelações matemáticas que não eram em notação matemática, que eram mais imagéticas, mais ligadas, inclusive a religião dele, como na tradição da matemática hindu.

A gente raramente sonha com o texto e com notação matemática, raramente, muito raro, e quando sonha, quase nunca você tem precisão, consegue ler o que tá escrito e aquilo faz sentido. E isso provavelmente tem a ver com o advento muito recente da escrita e da notação matemática. Sim, né? Tem menos de cinco mil anos. Então a gente na verdade não tem uma área cerebral que evoluiu eh em coevolução com a escrita. A escrita teve que reciclar uma parte do cérebro que que evoluiu pra outra coisa. E essa parte do cérebro é a área chamada de área da da forma visual da palavra, mas que na verdade é uma área de reconhecimento de faces que tá no no no giro fusiforme esquerdo, mais ou menos aqui e que serve pra você reconhecer faces depois que você passa por um processo de alfabetização, você se torna capaz de reconhecer letras aspes parecem de um de uma certa habilidade no reconhecimento de FA interessante eh e por causa disso, talvez a gente quando sonha eh não envolve nada disso na verdade, os sonhos evoluíram, né, na linhagem mamífera, duzentos e vinte milhões de anos evoluindo pra quê? Pra matar, não morrer e procriar?

Então os sonhos tem uma espécie de fundamental que diz respeito a comportamentos orientados por objetivos nos sonhos. Tipicamente a pessoa que sonha o eu sonhador está em um lugar com alguém com fazendo algo desejando algo. que quero ir pra tal lugar, quero encontrar tal pessoa. Tem que ter sempre uma missão, sempre, não, mas quase, sempre, um objetivo que tá dado no início e que muitas vezes o sonho consiste na busca infrutífera daquilo né, como na vida real. Dicas de passagem como na vida Real, né? Agora, algumas vezes você passa o sonho todo buscando aquilo, e no final você consegue, que seria o sonho no clássico de satisfação do desejo, mas isso é raro. E, às vezes, inclusive indica depressão, depende da situação, indica depressão.

Caio Huck Spirandelli: Interessante. Me fez lembrar de um livro que eu li no final do ano passado que o John, né, que é um que é um. É um antropólogo, ele faz essa distinção do. Ele trabalha muito com a área de psicologia. Essa distinção do WEIRD, né? Sociedades WEIRDs e sociedades não WEIRDs. E inclusive ele fala que a escrita é uma, é uma distinção. Assim, a escrita, a capacidade de de de escrita e leitura em larga escala é algo muito recente, né? E vamos dizer assim, a escolarização em larga escala é muito recente. E ele inclusive aponta isso né? Que a nossa capaci a capacidade de indivíduos e sociedades de identificação de rosto Ela realmente não é da comparada a sociedades. Não, não é das melhores, né? E inclusive talvez, né? Teria que ser aí é um. É um trabalho muito mais árduo também da com outras culturas, de ver se não tem essa diferença também na na psicologia, já que na psicologia o não tem essa diferença. Talvez impacte até no sonho, né?

Sidarta Ribeiro:

Então, até na no, no sonho eu acho que sim. A a ideia de que os sonhos não têm relevância pra vida das pessoas, é uma ideia europeia. Ideia branca e é uma ideia masculina. Mas vamos, vamos ser justos, né? EH também foram homens brancos e europeus que disseram Não, os sonhos têm significado. Todo mundo tá eh, agora nas culturas, né? Ames Na cultura nas inúmeras culturas africanas, asiáticas de vários lugares diferentes e mesmo culturas originárias europeias, o sonho é central.

Caio Huck Spirandelli: É que ele ele lista também várias diferenças de estruturas. que que foram mudadas na na, na cultura por essas culturas industrializadas, né? Enfim, ele ele traça todo esse histórico de como foram. Como foi possível criar essa essas culturas? Ah, eh, vamos dizer assim, não tão centradas em em, na família, no, no, no, no parentesco. Enfim, ele ele vai traçando tudo isso. Então tem essas coisas também que, por exemplo, e nas culturas mais Não. Ah, d vamos dizer assim, né? Usando o termo técnico. Ah, tem coisas que rondam, por exemplo, casamento, né? A procriação. A A A. a parte de o casamento, em especial o casamento ou as alianças, né? Elas fazem parte constante do cotidiano, né? Enquanto que pra gente essas coisas não tão tão presentes, né. Isso, enfim, deve ter um impacto também nessas simbólicos que rondam o sono, né, o sonham em si né? Essas preocupações?

Sidarta Ribeiro:

Que tipo de preocupação a gente tem e você poderia ver as culturas como culturas que tão desmontando todas as estruturas ancestrais de sociabilidade, criando famílias nucleares que, na verdade tão atomizadas que as crianças assim que se tornam adultos jovens saem de casa e não voltam nunca mais pelo que se vê nos Estados Unidos. E isso vai gerando, na verdade muito pouco vínculo. Então você tem uma epidemia de depressão e até de suicídio. Países que são materialmente ricos, especificamente Estados Unidos, Austrália e Escandinávia e Japão. Que tem a ver provavelmente com com com essa, com esse achatamento da experiência, né? Então a família não é importante. Os rituais não são importantes, né? Os momentos específicos, a de maturação não interessam. Eh, você muda sempre de lugar? Tá sempre desenraizado, né? Não convive com as gerações subsequentes ou antecedentes e o tempo todo na tela, né? Pouco tempo de sono, pouco tempo de sonho. Sono vem reduzido, menos sonho. Ninguém fala de sonho, ninguém lembra que sonha e a pessoa tá fazendo o que basicamente, reproduzindo a sua força de trabalho. Vira uma engrenagem? Sim, Eu acho que esse mal-estar tem a ver com isso?

Bruno Mascella: Sim, sim, eu acho que bate no próximo tópico. Será o que eu ia comentar com você dessa questão que você fala no livro, né?

Ninguém sonha sem ter vivido. E essa relação do estilo de vida hoje com telas, já tem estudo falando sobre isso, do impacto disso em relação a sonhos, ou não, principalmente em crianças.

Sidarta Ribeiro:

Adolescente acabou em relação a sonhos eh menos tá em relação a sono. Claramente, sai uma metanálise de um grupo espanhol mostrando que, de fato, as telas estão comendo o tempo de sono da de crianças e adolescentes.

Agora vamos fazer o raciocínio, né? Você vai dormir tarde. Quanto que é tarde? Dez, onze, doze, uma, duas, três, quatro da manhã? Uhum, né? Independente da sua idade, se você vai dormir essa hora, você quase certamente vai ficar privado de sono. Porque você vai ter que acordar, né? Em algum momento que provavelmente não vai te dar as suas oito horas mais ou menos duas que você precisa.

Mas a primeira metade da noite é sono de ondas lentas. A segunda é sono REM. O que cê vai perder mais sono, né? Aí soma-se a isso o consumo de álcool à noite corta sono REM, antidepressivos cortam sono REM, consumo de pílulas pra dormir, mesas de a EPs etc. Cortam sono REM, enfim, sim exercício físico excessivo à noite.

Alimentação tem várias maneiras de estragar a segunda metade da noite, né? E quando você dorme muito tarde? Você também está remando contra a maré fisiológica e hormonal, né? Se você vai dormir, às nove da noite, umas dez da noite. Você vai, Tá indo dormir com a melatonina lá no alto e, quando você tiver dormido bastante, o cortisol vai começar a subir e você acorda cheio de energia.

Se você vai dormir às quatro horas da manhã, significa que a sua melatonina devia. Tá alta, mas ela já tem que cair e você devia, Tá com cortisol baixo, mas ele já tem que subir. Uhum uhum, inclusive as pessoas que fazem, que têm turnos trocados que né! Vigia noturno! essas pessoas pagam um preço altíssimo, têm uma insalubridade enorme, têm um risco de desenvolver Alzheimer depois, quer dizer, têm uma série de questões de de saúde, e a saúde emocional é o sonora.

Ele é muito importante pra pra consolidar memórias de procedimento, memórias de hábitos, ações, esporte, coisas assim, mas também pra processamento emocional. Então a pessoa que tem um sono prejudicado ela vai se tornar uma pessoa ranzinza, irritável, então tem uma bola de neve social crescendo, né?

Caio Huck Spirandelli: E agora, entrando mais no sonho enquanto ferramenta terapêutica, cara cê assim, né? Tem uma imensidão simbólica. Tem mil maneiras de de a gente interpretar um sonho eh, você acha que ela é uma ferramenta importante, Terapêutica?

Sidarta Ribeiro:

Eu eu não tenho nenhuma dúvida disso. Ah, como como paciente, inclusive eu.

Eu fiz psicoterapia desde a infância. Fiz várias vezes ao longo da vida. Faço atualmente né? E E e faço atualmente, Terapia lidiana, e dou muito valor a isso e acho super importante, me ajudou muito. Meus diários de sonho são meus sonhados, são muito importantes pra eu entender o que que tava acontecendo na minha vida em cada momento.

Agora a ciência ainda não mediu isso direito. Mediu com videogame no laboratório em Harvard, mas na clínica medir de fato isso é mais difícil. É mais complicado, justamente porque a vida é complexa. As pessoas que que é importante pra você quando você interpreta um sonho é resolver um problema específico, Às vezes não.

Às vezes é dar mais perspectivas às vezes, é considerar uma coisa desagradável, como alguma coisa a ser integrada com aceitação. Enfim, como é que você mede isso aí? Eu acho que a ciência, a ciência, digamos assim, a psicologia cognitiva ainda tem muito preconceito com os sonhos. Os sonhos, por muito tempo, eram um assunto que estragava a carreira de uma pessoa que era considerado uma coisa não muito séria.

Isso nos anos sessenta setenta o Pope no conjecturas e refutações ele desce o sarrafo na psicanálise e fala que a psicanálise não é test uhum e, naquela época, o que dava status científico era estudava o sono. Estudar sonho só voltou a ser uma coisa cientificamente valorizada nos últimos vinte anos. E ainda tem muito trabalho pra se fazer pra que a gente possa responder essas perguntas.

Bruno Mascella: Sim, acho que entra no lance também clínico, nessa data da pesquisa. Porque pra mensurar isso de forma mais fidedigna ele ensaio clínico, né? Mas é difícil, né? Como que você vai introduzir um sonho, né? São tantas variáveis, né, para uma metodologia de pesquisa! Talvez realmente não sei, teria que ter outras formas de interpretar.

Trazendo para uma perspectiva mais científica, né? Essa questão de ferramenta terapêutica.

Sidarta Ribeiro:

Os clínicos custam uma enormidade de dinheiro, certos clínicos. São coisas caras, sobretudo se você quer fazer uma coisa de grande escala, né? Eu acho que uma questão que está ligada a tudo isso é que a psiquiatria começou.

Ela começou como uma tentativa de juntar tudo que sabia na época de neuro e fisiologia, mas também com psicologia, com a escuta do paciente. E quando foi nos anos cinquenta a descoberta dos primeiros psicofármacos para a psicose.

E depois da descoberta do sono, hein? Foram utilizadas na discussão no âmbito biométrico como argumentos para negligenciar o sonho. Falar, “Olha, a gente não precisa, vou ficar ouvindo o sonho do paciente, analisando nada, interpretando nada, que o problema do cara é a dopamina. Dá um mal pro cara e tá tudo certo.”

E aí o digamos assim, com o divórcio da psicanálise, da Psicologia analítica com as ciências biomédicas que já vinha. Já estava rolando, até porque teve todo o antissemitismo contra o Freud. Eh né? O Freud foi considerado persona non grata. Em muitos círculos ele passou a ser alimentado de alguma coisa que era gerada nos Estados Unidos, porque a psicanálise teve uma penetração nos Estados Unidos grande, mas aí nos anos cinquenta isso começou a ser revertido.

E, por outro lado, no âmbito da Psicanálise, você vai ter pessoas como Lacan, que vão falar isso mesmo. A gente não quer ter nada a ver com a ciência, né, digamos, assim do Lacan pra frente, no pós-modernismo, a ciência vai ser vista como um construção social e melhor não participar desse negócio. Aí que você tem muito conflito de interesse.

Então houve um divórcio. Assim, eh de parte a parte. E nem, né. O Freud queria ser o Freud, falou, “Sempre sou cientista,” o Jung também, mas já é um Lacan, não. Já estava se divorciando disso. Então eles concordaram em discordar. A partir dos anos sessenta vem o Popper e fala que a psicanálise não é nem uma coisa testada, então é metafísica, e a gente criou, na verdade, um período longo de preconceitos de parte a parte.

Uma coisa que eu faço no oráculo da noite é no início do livro. Fala muito das contribuições de Freud e Jung para os sonhos e, no final do livro, retomar depois de todo o trajeto retomar essas contribuições, mostrando como que a neurociência, a Psicologia ou a biologia de uma maneira mais ampla corroboraram muitas coisas que eles falaram empiricamente, quantitativamente, inclusive em revistas tão boas quanto a s, uhum, né?

Inclusive mencionando eles no primeiro, na primeira linha do primeiro parágrafo. Então, assim a ideia de que Freud e Jung não fazem parte da construção da ciência é uma besteira só que é uma besteira que ainda tá, tem que ser desmontada, porque foram muitas décadas de ostracismo. E também eu acho que existe uma desconfiança no campo da psicanálise, da psicologia analítica quanto ao que a neurociência pode trazer, porque eh, existem pessoas que querem reduzir, né?

A psicologia e a biologia eu não faço parte desse grupo, mas essas pessoas de fato existem.

Bruno Mascella: Acho que um paralelo ao que eu posso fazer eh. Eu sou fisioterapeuta e fiz uma formação pós. Sou pós-graduado em opa, né? E a Ospa também tem esse olhar de trazer o estilo, né? Que é o criador e tudo mais com as suas leis e por aí vai. E é muito questionada hoje também por alguns aspectos, principalmente quando a gente fala sobre dor, né? Sem levar em consideração a neurociência da dor. Tem esses dois extremos, né? Também tipo ele não prestou pra nada. Ou também usar só isso? Como ferramenta, talvez você esteja desatualizado ou você não tá trazendo outras evidências na mesa, né? Não tá entregando o melhor pro paciente. Eu acho que é esse meio caminho, né? Se dar é olhar pra esses dois pontos e ver o que que a gente pode absorver e tudo mais. E acho que o sonho também pode entrar nisso, né? Não é descartar totalmente.

Sidarta Ribeiro:

Eu acho que sim. Eu acho que a gente tá num momento de junção, de alinhamento de saberes Aham no âmbito da ciência, entre muitas disciplinas diferentes, mas também entre a ciência e outras tradições, especificamente sobre osteopatia.

Eu comecei a fazer osteopatia há mais ou menos uns dois anos. Eh e é incrível. Eu não sei como eu vivi sem opa legal. Eh. um osteopata excelente, Glauber Medeiros e E. E E e é evidente que aquilo é, né que a osteopatia é fortemente baseada em na ciência. Lá é ciência, ciência anatômica, ciência, EH corporal. Agora, acho que a ciência tem dificuldade de se relacionar com outros tipos de saber e vice-versa e vice-versa. Tem muito preconceito contra a ciência. E também tem muita gente que aborda a ciência de uma maneira meio messiânica, não científica, com pouco ceticismo.

Caio Huck Spirandelli: Acho que tem várias questões. A gente traz muita questão biológica aqui. Mas eu acho que a questão de sociabilidade, ou até quando a gente falou com Luiz Correia da medicina baseando evidências ele falou bastante isso, né?

Quer dizer a gente tem necessidades de carinho, de pertencimento, de fazer parte de uma comunidade, né? Ter esses papéis sociais e esse universo simbólico faz parte de tudo isso também, né? Então eu acho que é difícil a gente pensar, tô pensando de modo científico, bioquímico, e intervenções bioquímicas pra lidar com o problema sendo que, né? Ele abre um monte de outro buraco lá no outro canto. Então acho que tem que integrar, né? E às vezes é um debate complicado porque nem sempre ambos os lados estão dispostos a ouvir, né?

Porque, enfim, eu acho que hoje a gente tem acesso a muita informação, muito conhecimento, mas eu acho que a troca deles ou essa humildade intelectual da gente.

Abrir espaço pra conversar sobre isso e realmente construir esse caminho do meio? Eu não sei. Talvez o eu acho que a falta voltar pra convivência, pra espaços de convivência, pra espaço de olhar no olho! Porque na internet todo mundo xinga. Todo mundo quebra um pau. Ferrado, a gente até a ideia inicial do podcast era fazer isso aqui muito mais presencial, mas aí a pandemia veio também. Quem sabe mais se a gente toca isso, mas a gente, enfim.

Eu acho que falta esse aspecto humano de estar próximo pra não dar com esse à toa, né? Porque eu acho que todo mundo tem muita coragem online pra dar com esse pra tudo quanto é lado, né? Então, acho que com

Sidarta Ribeiro:

Com certeza falta isso. A gente está num numa Babel, né? A Babel do século vinte e um, a babel da internet. A babel dos fake News, uhum, é impressionante. Porque nesses estudos que saem sobre propagação de fake news na internet, não só elas se propagam muito mais longe, por muito mais tempo, de maneira mais rápida. Mas quem está fazendo isso não são os bots, são as pessoas?

Bruno Mascella: Sim. É, a gente até discutiu isso. É um grupo pequeno, mas faz muito barulho, né? Na internet.

Sidarta Ribeiro:

Bom. Vocês viram o voto em A a incrível discrepância entre o que disseram e como votaram os ministros do TSE nos últimos dias? Sim, sim, exato.

Caio Huck Spirandelli: E pra acabar, ah, pra gente finalizar aqui. Setembro! A questão. A gente inclusive, entrevistou a Fernanda Paliano Fontes sobre Aca e Depressão Como é que tá? Como é que você vê essa? Você acha, inclusive, que pode ser um caminho do meio, a questão dos estudos com psicodélicos, como esse caminho de tipo, de trazer esse aspecto, um pouco mais complexo da mente pra parte mais terapêutica. Você acha que tem bastante coisa ali a ser explorada e pode trazer muita coisa boa? Até pro estudo sobre sonho…

Sidarta Ribeiro:

Eu acho que sim, Caio. Eh o trabalho que a Fernanda pano fontes e o Drawn de Araújo foi orientador dela no doutorado E agora eles trabalham juntos aqui no Instituto do Cérebro da U F N. É um trabalho muito, muito sólido mostrando que a eu acho que é um potente antidepressivo, né? São, na verdade, pesquisas começaram há vinte anos atrás. Eh lá na USP de Ribeirão Preto Professor Jamey Alak e. E vem crescendo no mundo todo, esse entendimento de que não só os AK, mas né? Os psicodélicos clássicos, também diversos canabinoides, tem muita eh utilidade na psiquiatria contra depressão, Trauma eh até pelos seus, pelo seu potencial de produção, de novas sinapses, de novos neurônios.

Tudo isso vem sendo elucidado agora. Eu acho que existe uma nova psiquiatria nascendo que é uma psiquiatria baseada em menos remédio, mais conversa, menos remédio, mais práticas terapêuticas variadas e doses baixas e ocasionais de substâncias muito potentes. eh, Mas eu acho que antes de pensar em tomar qualquer remédio, as pessoas têm que pensar seriamente com muita franqueza.

Se elas estão ou não estão fazendo o dever de casa. Meu dever de casa é dormir bem, fazer exercício todo dia adequado, comer muito bem, prestando atenção no que come, escolhendo o que come, não comendo nada ultra ultra processado. Isso aí causa isso, detona a tua microbiota, né? E e e causa problemas ligados à depressão.

Então, se a pessoa tá dormindo bem, fazendo exercício, se alimentando bem e não tendo relações tóxicas, ou seja mantendo relações saudáveis, a chance dela precisar de remédio é muito baixa. Se precisar de remédio, né? Eu acho que a ênfase no século vinte e um é psicoterapia assistida por remédio e não toma remédio, vai pra casa, uhum, uhum.

Claro. Isso isso tá bem claro, inclusive pra pessoas como Thomas Wins que foi diretor do da Saúde Mental nos Estados Unidos por quatorze anos uhum! Agora eh antes de chegar em qualquer indicação de remédio, pra sono, por exemplo, a pessoa fala Ah, eu tomo pílula pra dormir que não é legal.

Ah, então eu tomo Melatonina, que é melhor mãe, mas que que não produz a própria melatonina. É uma questão de ter uma higiene do sono, de desligar as telas na hora, uma hora antes da hora que quer dormir, e de dar dar ao sono e aos sonhos a importância que eles têm. E que eles tiveram ao longo de milênios.

Se a gente não faz isso, a gente continua desse jeito, mais raso, né, com baixa capacidade cognitiva com baixo processamento emocional, sem ter site, nas situações que estamos geradas e gerando uma bola de neve de problemas sociais, né?

Bruno Mascella: Perfeito.

Caio Huck Spirandelli: Legal, é isso. A gente pode acabar por aqui e obrigado Sidarta mais uma vez. Foi um prazer ter você por aqui.

Sonhos - Sidarta Ribeiro