Sociedades Caçadoras-Coletoras: Estudo Comparativo e Comportamento Humano ( com Andrea Migliano | UG#87)

Por que é tão importante estudar sociedades caçadoras-coletoras? Para responder a essa pergunta e sabermos mais sobre esse tipo de sociedade, trouxemos a pesquisadora Dra. Andrea Bamberg Migliano.

Neste episódio, abordamos diversos aspectos das sociedades caçadoras-coletoras, como é feito o trabalho etnográfico, complexidade e igualdade nessas sociedades, origem da cultura cumulativa, teoria da história de vida e saúde humana, pelo prisma do modo de vida caçador-coletor.

Andrea Migliano é Professora de Antropologia Evolutiva na Universidade de Zurique. Seu trabalho é sobre o comportamento comparativo de populações de caçadores-coletores. Utiliza socioecologia comparativa, análises de rede e psicologia experimental para entender como a diversidade no nicho de forrageamento de caçadores-coletores moldou adaptações específicas humanas, como sociabilidade complexa, cultura cumulativa e pró-socialidade.

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Temas abordados e resumo do episódio


(05:09) - Entendendo as culturas de caçadores-coletores

Visão Geral da Seção: Nesta seção, a Dra. Andrea Migliano discute os critérios para definir uma cultura de caçadores-coletores e como essas culturas influenciaram a biologia humana. Ela também explora o impacto da agricultura nas estruturas sociais e na territorialidade.

Definindo culturas caçadoras-coletoras

  • Culturas caçadoras-coletoras são populações que viviam da caça, pesca e coleta antes da invenção da agricultura.
  • Essas populações enfrentam pressões seletivas diferentes daquelas que praticam a agricultura.
  • O estudo das culturas de caçadores-coletores fornece informações sobre as pressões seletivas que os humanos enfrentavam antes da agricultura em larga escala.

Impacto da Agricultura nas Estruturas Sociais

  • A agricultura levou a uma maior territorialidade, guerras com populações vizinhas e poligamia.
  • Os caçadores-coletores seriam mais igualitários porque não tinham um território fixo para defender.
  • A evolução das estruturas sociais é uma distinção importante entre caçadores-coletores e sociedades agrícolas.

Estudando culturas de caçadores-coletores

  • A antropologia biológica usa técnicas quantitativas para estudar culturas de caçadores-coletores.
  • Os estudos etnográficos envolvem a convivência com uma população para entender seu modo de vida.


(10:54) - Reprodução Cooperativa em Humanos e Primatas

Visão geral da seção: Nesta seção, a pesquisadora discute como humanos e primatas têm reprodução cooperativa, semelhante aos saguis do norte do Brasil. A pesquisadora explica que eles quantificam as interações entre os indivíduos usando dados de GPS para entender como cada fator influencia suas vidas.

Reprodução Cooperativa

  • Humanos e primatas têm reprodução cooperativa.
  • Saguis do norte do Brasil também exibem reprodução cooperativa.
  • Quantifique as interações entre indivíduos usando dados de GPS.
  • Entenda como cada fator influencia suas vidas.


(13:02) - Características da Sociedade Agta

Visão Geral da Seção: Nesta seção, a pesquisadora fala sobre as características da sociedade Agta. São caçadores-coletores que vivem em pequenos grupos de 30 a 50 pessoas. Eles dividem tudo igualmente entre si, inclusive os alimentos da caça e da coleta.

Características da Sociedade Agta

  • Caçadores-coletores vivendo em pequenos grupos.
  • Dividem tudo igualmente entre si.
  • Vivem tanto na costa quanto nas florestas.
  • As populações são altamente móveis.


(15:24) - Igualdade entre sociedades caçadoras-coletoras

Visão Geral da Seção: Nesta seção, a pesquisadora discute a igualdade entre sociedades de caçadores-coletores. Ela explica que todas as sociedades caçadoras-coletoras sobreviventes hoje são igualitárias, com estruturas sociais semelhantes às encontradas na África, nas Filipinas e na Amazônia.

Igualdade entre sociedades de caçadores-coletores

  • Todas as sociedades caçadoras-coletoras sobreviventes hoje são igualitárias.
  • Estruturas sociais semelhantes em diferentes regiões.
  • Os tamanhos dos bandos variam, mas tendem a ser pequenos e fluidos.
  • As redes são grandes, mas também fluidas.


(16:08) - Impacto da Ecologia no Comportamento

Visão Geral da Seção: Nesta seção, Andrea Migliano fala sobre o impacto da ecologia no comportamento. Ela explica que existe um continuum quando se trata de sociedades de caçadores-coletores, sendo algumas mais complexas do que outras. Ela também menciona seu estudo sobre as populações agrícolas da Nova Guiné, altamente polígamas e com disputas territoriais.

Impacto da Ecologia no Comportamento

  • É um continuum quando se trata de sociedades de caçadores-coletores.
  • Alguns grupos são mais complexos do que outros.
  • As populações agrícolas na Nova Guiné são altamente polígamas.
  • Há disputas territoriais entre populações agrícolas.


(16:55) - Implicações ecológicas e evolutivas dos papéis de gênero

Visão Geral da Seção: Nesta seção, a pesquisadora discute como os fatores ecológicos e evolutivos influenciaram os papéis de gênero nas sociedades humanas.

Divisão de gênero do trabalho

  • As sociedades humanas têm uma divisão de trabalho entre homens e mulheres devido a restrições ecológicas.
  • Esta divisão é necessária para a sobrevivência, pois permite a produção e reprodução de alimentos.
  • A melhor estratégia para os homens de uma perspectiva biológica é investir em várias mulheres ao invés de uma criança. No entanto, restrições ecológicas, como recursos limitados, geralmente levam à monogamia.
  • À medida que as sociedades faziam a transição da caça-coleção para a agricultura, alguns indivíduos conseguiam acumular mais recursos e sustentar várias famílias, levando à poliginia.

Influências culturais nos papéis de gênero

  • Embora os fatores culturais também desempenhem um papel na formação dos papéis de gênero, os fatores ecológicos e evolutivos são considerações importantes.
  • Existem muitas maneiras de se adaptar às pressões ambientais, mas é importante não ter preconceito contra diferentes adaptações que por constituem culturas.


(22:28) - Desafios no estudo de personalidade e saúde mental em populações caçadoras-coletoras

  • Pode ser difícil estudar questões de saúde mental como depressão em populações de caçadores-coletores porque conceitos como depressão podem não existir em determinadas culturas.
  • Existem inúmeros desafios no processo de entender os sentimentos e suas expressões em culturas muito diferentes da nossa.


(24:24) - O atrito entre a antropologia cultural e a antropologia biológica?

  • Não existe muito contato entre as áreas.
  • Antropólogos culturais possuem um preconceito quando o assunto é evolução biológica e costumam sempre associar a teoria evolutiva a questões negativas.
  • Influência pós-moderna na antropologia cultural faz com que haja uma aversão a qualquer ideia de pesquisa com modelos quantitativos e estudo comparativo.


(27:55) - Medicina Evolutiva e caçadores-coletores

Visão Geral da Seção: Nesta seção, a pesquisadora discute a importância de olhar para os humanos de uma perspectiva evolutiva e como isso pode aumentar a plausibilidade dos estudos experimentais.

Importância da Perspectiva Evolutiva

  • Estudar o comportamento de outras culturas pode nos ajudar a entender maior questões de incompatibilidade biológica que resultam em doenças.
  • Olhar para os humanos de uma perspectiva evolutiva aumenta a plausibilidade dos estudos experimentais.
  • Um dos entrevistadores estuda a corrida humana e traz uma perspectiva de nossa experiência com outros primatas.
  • Ao estudar os humanos através de lentes evolutivas, podemos introduzir tratamentos para corredores que sejam biologicamente mais plausíveis.

Diferenças na fisicalidade

  • A pesquisadora relata que observa uma diferença significativa na fisicalidade entre os humanos modernos e os caçadores-coletores.
  • Os humanos modernos têm pés deformados devido ao uso de sapatos, enquanto caçadores-coletores têm musculatura e mobilidade muito mais fortes.
  • Crianças de até quatro anos em sociedades de caçadores-coletores já estão subindo em árvores e remando em barcos, enquanto as crianças modernas lutam com essas atividades.


(31:27) - Transição da caça e coleta para a agricultura e seus impactos

  • A transição para a agricultura levou a resultados de saúde negativos para caçadores-coletores, como aumento das taxas de mortalidade, infecções e anemia devido a viver em um só lugar e comer alimentos de baixa qualidade.
  • Saneamento passa a ser um problema com a perda de mobilidade.
  • As mulheres aumentaram as taxas de fertilidade para compensar as taxas de mortalidade infantil.


(32:23) - Representação da Mulher na Antropologia

  • As mulheres estão bem representadas na área de estudo da pesquisadora, que inclui estudar caçadores-coletores e primatas.
  • A pesquisadora cita a “hipótese das avós” da Kristen Hawkes como resultado dessa representatividade na área.
  • Andrea Migliano diz ter dificuldade em encontrar alunos do sexo masculino para fazer o trabalho de campo, ela prefere grupos mistos para o trabalho de campo, mas muitas vezes tem dificuldade em montar esses grupos pela ausência de homens.


(34:56) - Estudos de Cultura Cumulativa

  • O acúmulo de cultura é exclusivo dos humanos e se refere à capacidade de acumular conhecimento ao longo do tempo por meios culturais.
  • A pesquisadora estuda a acumulação cultural comparando a sociabilidade humana com a dos primatas.

Capacidade de recombinar

  • Os seres humanos têm uma capacidade impressionante de dividir tudo um com o outro e se especializar.
  • A capacidade humana de recombinar é responsável pela evolução das tecnologias, como martelos que trilham com pedras e madeira até chegar às serras elétricas.
  • A cooperação forte entre os seres humanos permite que eles compartilhem informações e combinem tecnologias para criar coisas mais complexas.

Comparação com primatas do Velho Mundo

  • Os chimpanzés possuem algumas habilidades complexas, como fazer um aparato usando três peças para quebrar nozes. No entanto, eles não têm a mesma capacidade de recombinar tecnologias que os seres humanos.
  • Dra. Andrea Migliano está estudando orangotangos, chimpanzés e gorilas para entender suas redes sociais e limitação na transmissão cultural. Ela sugere que essas restrições podem impedir o desenvolvimento da cultura complexa.
  • Os seres humanos passaram por maior pressão seletiva, o que levou a uma diferenciação mais drástica quando comparados a outros primatas do velho mundo.


(41:21) - Teoria da História de Vida

Evolução do Tamanho

  • A entrevistada escolheu estudar o tamanho humano em seu doutorado para ver se ainda havia seleção natural agindo sobre os humanos.
  • Ela mediu e pesou pigmeus nas Filipinas por um ano para ver se havia uma seleção natural que dessem vantagem para quem tivesse um corpo menor.
  • Ela descobriu que era o oposto das tendências ecológicas - os pigmentos tinham menos filhos do que as populações de estatura maior.

Teoria da História da Vida

  • A entrevistada descobriu que a diferença entre um animal grande e um animal pequeno está relacionada à teoria da história de vida.
  • A teoria afirma que há uma troca entre diferentes características do ciclo de vida, como crescimento e reprodução.
  • O ambiente de mortalidade ecológica faz com que você tenha que ajustar seu ciclo de vida - faça tudo rápido se você vive no ambiente inseguro ou invista mais tempo se você vive no ambiente seguro.
  • Os pigmentos viviam em um ambiente com alta mortalidade, então tiveram que ajustar seu ciclo reprodutivo - cresceram por menos tempo e tiveram filhos cedo.
  • A teoria da história da vida pode ser usada para entender a variabilidade humana em diferentes sociedades.


(46:28) - Expectativa de vida em sociedades de caçadores-coletores

  • A expectativa de vida nas sociedades de caçadores-coletores é geralmente baixa devido à mortalidade ecológica ou extrínseca causada por acidentes durante a caça, mergulho, subir em árvores para obter mel e infecções decorrentes da vida em ambientes tropicais.
  • Numa transição para a agricultura, há uma tendência de aumento leve da expectativa de vida devido à sedentarização e à domesticação. No entanto, piora inicialmente porque surgem novos desafios.
  • Em comparação com as populações ocidentais, a expectativa de vida entre os caçadores-coletores é muito baixa. Também é inferior ao da maioria dos agricultores que vivem como tais há muito tempo.
  • Fatores de mortalidade como traumas e infecções são mais prevalentes entre caçadores-coletores do que doenças cardiovasculares que são comuns entre pessoas que vivem em cidades.


(49:24) - A complexidade de sociedades caçadoras-coletoras

  • A complexidade dentro das culturas depende da nossa definição de complexidade. A cultura material é mais simples entre os caçadores-coletores porque eles têm menos opções de troca de informações devido ao tamanho populacional menor.
  • Isso não significa que sejam inferiores; em vez disso, eles se adaptam rapidamente a qualquer tecnologia quando necessário. O número de indivíduos limita o quanto pode ser trocado entre eles.
  • Populações maiores tendem a ter mais complexidade e variação em comparação com as menores.
  • A pesquisadora está desenvolvendo pesquisa comparativa da cultura material dos Agta com a cultura material de caçadores-coletores do Congo. Ela espera encontrar mais complexidade no Congo pois trata-se de uma população bem maior.
  • Diferentes populações têm números variados de rituais, muitas vezes existe uma relação direta entre tamanho da população e quantidade de rituais existentes.
  • Quando várias comunidades se reúnem, elas podem participar de um grande ritual onde todos dançam juntos. Esses rituais promovem a coesão do grupo, a coordenação dos movimentos e a sensação de bem-estar.
  • Os Agtas quase não tem rituais.
  • O tamanho de uma população e diferentes seleções ecológicas podem levar a maior ou menor complexidade nas práticas materiais e ritualísticas.
  • Isso não reflete uma população sendo melhor ou pior do que outra; em vez disso, reflete as necessidades exclusivas de cada ambiente.


(53:08) - Romantização das culturas caçadoras-coletoras

  • Há uma tendência entre os antropólogos de idealizar sociedades de caçadores-coletores como utopias igualitárias.
  • No entanto, essas sociedades não são perfeitas; ainda há competição por recursos.
  • Embora exista compartilhamento dentro dessas sociedades, muitas vezes é baseado na demanda, e não em um compromisso ideológico com a igualdade.

Sensacionalismo da mídia

  • A mídia muitas vezes sensacionaliza informações sobre sociedades de caçadores-coletores.
  • Por exemplo, um artigo de jornal afirmava que as mulheres forçavam seus maridos a viver com suas sogras em uma dessas sociedades.
  • A pesquisadora enfatiza a importância de apresentar informações precisas sobre essas sociedades e evitar o sensacionalismo.

Padrões de Comportamento Humano

  • Embora as sociedades de caçadores-coletores não sejam inerentemente violentas, elas ainda estão sujeitas a padrões de comportamento humano que envolvem violência.
  • Essas sociedades possuem suas próprias culturas e comportamentos específicos que refletem suas realidades históricas, ecológicas e materiais.
  • É importante evitar romantizar ou demonizar essas sociedades e, em vez disso, apresentá-las como sistemas culturais complexos, cada qual com suas particularidades.
  • O próprio infanticídio, muito comum em diversas culturas humanas, deve ser entendido do ponto de vista científico: “Existe uma estratégia adaptativa por trás disso?”.


(59:01) - Sociedades caçadoras-coletoras sempre sob pressão e a importância e confiabilidade de registros etnográficos antigos

  • Dra. Andrea Migliano gosta muito de ler registros etnográficos antigos de culturas e práticas que não existem mais.
  • Andrea cita registro etnográfico de uma cultura das Ilhas Andaman onde as crianças acima de 7 anos moram em casas que não são dos seus pais biológicos e como isso faz parte de uma estratégia de cooperação que favorece a sobrevivência dos indivíduos;
  • É frustrante não ter mais muitas culturas para estudar e os registros etnográficos antigos não terem um foco muito quantitativo, por isso a entrevistada corre contra o tempo para fazer registro quantitativo das culturas caçadoras-coletoras ainda existentes no planeta.
  • Culturas não são isoladas uma das outras, e antropólogos devem entender que culturas tradicionais podem escolher se integrarem a outras culturas.
  • A entrevistada busca ajudar essas culturas tradicionais a se integrarem de forma digna às culturas mais industrializadas, já que muitas vezes governos locais tendem a tratá-las como culturas primitiva e atrasadas.


(1:02:52) – Caçadores-coletores de hoje são iguais os do passado?

  • Dra. Andrea Migliano fala que sociedades caçadoras-coletoras mudam ao longo do tempo, porém trata-se de uma cultura que tende a ter mais estabilidade e mudanças menores devido ao ambiente em que estão inseridas.
  • A pesquisadora diz que existem pesquisadores críticos da ideia de ter sociedades caçadoras-coletoras como modelo de organização humana predominante no passado evolutivo da nossa espécie. Alguns apontam para a facilidade humana de lidar com hierarquias complexas e que isso deve estar relacionado com um histórico humano nem tanto igualitário.
  • Caio Huck Spirandelli, um dos entrevistadores, fala sobre adaptações físicas para a corrida, que estão de certa forma relacionadas às estratégias de caça de persistência e que dão força para a hipóteses de uma história cultural humana com forte raiz na organização social de caçadores-coletores.
  • A pesquisadora Andrea Migliano, cita um estudo que fez onde encontrou, numa sociedade caçador-coletora, uma desigualdade de distribuição de recursos. Ela aponta que nessa cultura, indivíduos mais cooperativos gozavam de maior prestigio e tendiam a receber mais recursos, de forma voluntária, de outros indivíduos da mesma sociedade.
  • A entrevistada reforça a ideia de que seres humanos são extremamente flexíveis culturalmente e que existem variações imensas pelo mundo.


Referências do episódio

Transcrição

Em breve.
Sociedades Caçadoras-Coletoras - Andrea Migliano