Neste episódio, temos o privilégio de receber a Dra. Alice Evans, em sua primeira entrevista exclusiva no Brasil, para uma profunda discussão sobre as dinâmicas de gênero ao redor do mundo.
Abordamos temas cruciais como a necessidade de manter o ego distante da pesquisa científica e exploramos as nuances entre patriarcado e matriarcado, bem como as forças subjacentes que dão forma a esses sistemas. Ao nos aprofundarmos nas sociedades patrilineares e matrilineares, ganhamos uma compreensão mais profunda de como homens e mulheres se percebem e interagem entre si, influenciados por uma miríade de fatores.
A Dra. Alice compartilha valiosas observações de suas jornadas etnográficas pelos seis continentes, onde mergulhou em comunidades diversas para decifrar as raízes das variações culturais em relação ao gênero. Ela também destaca culturas que têm avançado na igualdade de gênero e sugere rotas que outras podem adotar para alcançar resultados semelhantes.
Dra Alice Evans é professora sênior em Ciências Sociais do Desenvolvimento no Kings College London e professora visitante na Universidade de Toronto. Ela está escrevendo um livro chamado ‘A Grande Divergência de Gênero’: por que todas as sociedades se tornaram mais iguais em gênero, e por que algumas são mais iguais do que outras?”. Ela já publicou sobre gênero, urbanização, os impulsionadores de mudanças sociais, desigualdade e redes globais de produção. Além do seu blog e substack, ela tem um podcast que se chama “Rocking our Priors” (“Sacudindo Nossos Pressupostos” em tradução livre) onde ela compartilha seus últimos estudos e atualiza suas hipóteses sobre as variáveis que moldam as relações de gênero em sociedades humanas.
Em breve.
Alice Evans: Livro – Site e Blog – Substack – Podcast – Artigos
Alice Evans:
Muito obrigada.
Alice Evans:
Muito obrigada. Eu venho pesquisando gênero há 14 anos, e então, há quatro anos, percebi algo que realmente me abalou. Muitos estudiosos analisaram o que chamam de Grande Divergência. Isto é, como o Ocidente se tornou rico e democrático? Por que alguns países são ricos enquanto outros são muito mais pobres? O que explica essa heterogeneidade internacional e as mudanças ao longo do tempo? E então percebi que deveríamos fazer exatamente a mesma pergunta sobre gênero. Por que há tanta diversidade global nas relações de gênero?
No Oriente Médio, Sul da Ásia e Norte da África, são os homens que saem de casa para sustentar suas famílias e fazer as leis do país. A América Latina, enquanto isso, passou por uma transformação radical. Então, você já teve países católicos e conservadores, mas agora vê uma crescente participação feminina na força de trabalho, uma crescente representação feminina, imensas manifestações feministas, derrubando as proibições ao aborto, leis mais fortes sobre direitos reprodutivos e contra a violência doméstica. E está até convergindo com a Europa em termos de igualdade de gênero. E isso é tão fascinante! Hoje, a Escandinávia e a Europa ainda são alguns dos lugares com maior igualdade de gênero no mundo. Mas, na verdade, durante a maior parte da história humana, a Europa foi muito mais patriarcal do que o matrilinear Sudeste Asiático, o Golfo da Guiné e até os Andes.
Então, é isso que chamo de A Grande Divergência de Gênero. E acho que é um dos maiores fatos sobre a humanidade que a ciência atual não pode explicar. E o que estou tentando fazer agora é uma tarefa totalmente doida e ridícula. Estou tentando responder a essa pergunta. Por que existe essa diversidade cultural? O que estou tentando fazer é estudar a história de cada país do mundo e, em seguida, construir uma espécie de narrativa sobre o que impulsiona a mudança ao longo do tempo, porque os países se diferem e construir a primeira história global de gênero. Agora, essa é a ambição. Se eu realmente o alcançarei… Provavelmente não, mas esse é o objetivo.
Alice Evans:
Certo. Eu não acho que seja uma coisa terrível se eu estava errada no passado. Muitas pessoas têm ego. Você sabe, se eles dissessem algo há um ano, eles diriam “Oh, não, não! Eu tinha razão! Eu tinha razão!” Mas eu na verdade não me importo de estar errada. Na verdade, se eu estava errada no passado e agora percebo algo diferente, é porque vi novas informações e revi minhas crenças.
E para mim, o maior presente que alguém poderia me dar é mostrar que eu estava errada no passado, dando-me novas informações que me ajudam a entender melhor o nosso mundo. E, na verdade, isso é algo com o qual nós todos, inclusive eu, temos dificuldades. Todos nós temos nosso viés de confirmação, e isso significa que estamos predispostos a prestar mais atenção às informações que se encaixam em nossas crenças pré-estabelecidas. Então, se eu for racista, por exemplo, vou procurar informações que comprovem essas suposições e desconsiderar as evidências que a refutam. Mesmo que haja um negro incrivelmente brilhante, posso dizer: “Ah, é só um cara. Que seja.”
Portanto, esses vieses de confirmação, seja de gênero, seja de raça ou apenas de nossas teorias sobre crescimento econômico, pode enviesar nosso entendimento. Então, o que eu realmente tento fazer é: “Bem, deixe-me desempacotar e explorar todas as diferentes evidências”.
Deixe-me dar outro exemplo. As feministas podem se opor muito às ideias de que existem diferenças biológicas entre homens e mulheres e, portanto, podem simplesmente ignorar todas as evidências da neurociência, por exemplo. Elas não gostam dessa explicação porque pode significar que, se houver diferenças biológicas, o patriarcado é inevitável e devemos aceitá-lo. E assim seus pressupostos, sua ideologia pode impedi-las de entender a maneira como a biologia pode interagir com a cultura.
Mas tento, o máximo possível, não ser cegada por esses pressupostos e penso: “Ok, deixe-me sacudir eles!”
Alice Evans:
Minha primeira graduação foi em filosofia. Quando estudei filosofia aprendi coisas muito loucas. “Talvez eu seja apenas um cérebro em uma cuba. Talvez o mundo externo seja predeterminado.” Uma vez que você entrou nessa mentalidade de pensar: “Ah, talvez o mundo externo nem mesmo exista”. Então, você está pronto para abraçar ideias realmente malucas. “Ok, deixe-me seguir com isso.”
Uma vez que você realmente mergulhou em toda essa loucura… Mas para mim, no final das contas, o mais importante é tentar não ter ego e apenas ficar entusiasmada em aprender e melhorar minha compreensão do mundo. E eu acho que desde que eu seja direta e honesta e diga que estou aprendendo e encorajando as pessoas a me criticarem. Então, não é ruim se as pessoas disserem: “Ei, Alice, você está errada.”
Acho que o importante é a mentalidade. Não ser tão consumida pelo meu próprio ego ou pelo meu próprio orgulho para me chatear se alguém me disser que estou errada. Se eu disser: “Ei, eu quero ouvir, quero aprender com você”, então, isso muda a conversa. Significa que quando alguém me dá essa nova informação, eu a recebo como um presente e não como um insulto.
Alice Evans:
Sim. Sim. Isso é perfeitamente verdade. Isso é perfeitamente verdade! Há muitas pessoas que não gostarão do que eu faço. Muitas!
Alice Evans:
Eu acho que é perfeitamente normal que as pessoas tenham uma variedade de opiniões e crenças. E algumas pessoas terão gatilhos e serão sensíveis sobre as coisas. E acho que temos que aceitar isso. E eu acho que, de fato, se você olhar para grandes livros sobre o mundo como mencionei antes, todos aqueles grandes livros sobre porque o Ocidente é mais rico e mais democrático. Esses grandes livros geralmente são escritos por homens, e isso se correlaciona com os homens terem maior probabilidade de serem confiantes.
Por exemplo, há uma nova pesquisa que mostra que os homens são muito mais propensos a dizer que poderiam pousar um avião com segurança. “Você conseguiria pousar este avião?” e o americano médio diria “Sim, claro. Eu poderia pousar um avião.” Enquanto as mulheres diriam “De jeito nenhum eu poderia pousar um avião.” Essa é uma diferença de gênero em confiança. Não sei se é biologia ou se é socialização, mas se a pessoa for muito neurótica, se estiver constantemente preocupada sobre como as outras pessoas vão a ver, se for tão sensível à possibilidade de ataque, então ela pode se autocensurar e ficar totalmente em silêncio. E acho que essa é parte da razão pela qual poucos desses grandes livros são publicados por mulheres. Você tem homens, talvez superconfiantes, pensando “Sim! Eu posso ter uma grande teoria sobre o mundo! Sem problemas.” Enquanto as mulheres seriam mais como: “Ok, eu quero entender esse fenômeno muito específico e restrito. Eu quero entender direito.” E assim, nossos medos e nossa ansiedade sobre crítica social podem realmente incentivar as pessoas a se manterem em silêncio. E eu acho que isso pode ser prejudicial.
Para mim, eu tenho a visão de que: “Bem, deixa eu tentar entender da melhor maneira que posso”. E eu sou um pouco insegura. Eu confesso. E eu acho que isso funciona a meu favor, porque eu vou ler o máximo possível antes de escrever algo. Sabe, há um certo nível de confiança “na medida certa”. Se você é super, super arrogante, você simplesmente escreverá coisas sem investigá-las. Se você é muito nervoso e tímido, talvez você não escreva nada porque está preocupado com a crítica. Mas se você tem o nível de confiança “na medida certa”, em que você investiga muito, escreve algo e expressa de uma forma que incentiva a crítica e ei, talvez você possa, de certa forma, lidar com isso.
Alice Evans:
Com certeza. Eu veria uma sociedade patriarcal como aquela onde os homens dominam posições de prestígio. Isso pode ser nos negócios, no governo, na religião. E também em que os homens são culturalmente reverenciados, são vistos como merecedores de respeito, são reconhecidos como autoridade respeitada.
Isso poderia ser a presunção de que os homens têm o direito de bater em suas esposas ou que os homens devem ser servidos no jantar. Eles deveriam estar sentados em casa, enquanto outros os servem. E eles são as autoridades conhecedoras. Por exemplo, nos Estados Unidos, há uma pesquisa sobre jornais ao longo dos últimos cem anos, e descobriu-se que os jornais normalmente retratam os homens como mais inteligentes. Eles normalmente mostram os homens como gênios. A palavra gênio nunca é associada a mulheres. Então, é tanto a dominação de posições políticas e econômicas, quanto a forma como as pessoas veem homens e mulheres, como homens e mulheres tratam uns aos outros.
E, portanto, com essa definição de patriarcado, eu, simplesmente, a inverteria para matriarcado. Então, um matriarcado seria uma sociedade na qual todas as grandes posições são dominadas por mulheres e as mulheres também são culturalmente reverenciadas. Então, se eu posso dar um spoiler do filme da Barbie… O novo filme da Barbie, ele é inicialmente ambientado em um matriarcado. Barbielândia é um matriarcado. A presidente é uma mulher, onde todas as casas dos sonhos da Barbie são de propriedade de mulheres. A Constituição é escrita por mulheres. A Suprema Corte é composta por mulheres. E existem todas essas celebrações do brilhantismo feminino. Todos os grandes prêmios são ganhos por mulheres. Todos acham que as mulheres são fantásticas, e nessa sociedade, as mulheres são muito seguras e são muito assertivas. Elas não têm ansiedade, não duvidam de si mesmas. Quando homens são rudes ou depreciativos ou as incomodam, elas simplesmente dizem: “Ah, não, eu não tenho tempo para isso.” Portanto, é todo o sistema cultural. A Barbielândia é um matriarcado.
Alice Evans:
Com certeza. Eu acho realmente importante prestar atenção em tantos indicadores e variáveis diferentes quanto possível. Existem alguns índices globais de gênero que são compostos. Eles incluiriam a participação feminina na força de trabalho, representação feminina no parlamento, diferenças de gênero na educação e na saúde. A maioria dos países latino-americanos, se pensarmos em uma perspectiva global, geralmente estão no terço superior. Eles estão entre os países com maior igualdade de gênero no mundo porque a participação feminina na força de trabalho aumentou consideravelmente. Está por volta de entre 50 e 60%. Então, ficou bem maior.
Na maioria dos países latino-americanos, mas não no Brasil, a representatividade feminina aumentou muito, no Brasil, é de apenas 18%. Em outros países latino-americanos, é mais próximo de 45%, 40%. Além disso, as mulheres têm mobilidade. Elas se movem livremente nas ruas. Elas estão por aí. Compare isso com quando eu viajo pela Índia, posso passar por uma rua e não ver nenhuma mulher, por exemplo. Na Índia, 88% dos parlamentares são homens.
Vítimas femininas de violência doméstica raramente relatam que foram agredidas. Primeiro porque são muito estigmatizadas, têm muita vergonha. Elas não esperam que a polícia faça algo a respeito. Além disso, a participação feminina na força de trabalho é tão baixa que agora são dependentes de seus guardiões patriarcais.
A América Latina é muito diferente nisso, porque as mulheres estão trabalhando cada vez mais, elas são muito mais economicamente independentes e porque você tem essas grandes manifestações contra a violência de gênero, como “Ni Una Menos”. Com enormes protestos, esse estigma tem sido reduzido. Quero dizer, a América Latina tem alguns dos maiores protestos feministas do mundo, como 8 de março é absolutamente massivo na Argentina e México etc. Podemos ver em todo o mundo e ao longo do tempo, a América Latina mudou, certo? Mas as mulheres ainda sofrem assédio sexual, agressão. As mulheres ainda enfrentam um alto risco de feminicídio.
Não é totalmente igualitário em relação ao gênero, mas se o compararmos com o Egito, se o compararmos com o Irã, se o compararmos com a Índia, é mais igualitário. Então, voltando à sua pergunta, preciso pensar em todas essas variáveis diferentes, como as percepções de assédio sexual, se as pessoas veem as mulheres como líderes, se as mulheres são discriminadas no trabalho, as penalidades por ter um filho etc., etc. É preciso ter uma visão muito holística.
Alice Evans:
Ha! Boa pergunta. Eu acho que … Eu não acho que as pessoas realmente fazem uma escolha. Tipo, vou sentar lá e “Ei, eu deveria ser uma patriarca hoje ou não?” Mas vemos o patriarcado surgindo como resultado de certas condições. Se voltarmos 100.000 anos, quando os humanos eram caçadores-coletores, as mulheres ainda podiam ser agredidas, ainda podiam ser abusadas, ainda podiam ser estupradas, poderiam ser casadas em poligamia. Ao menos pelo que sabemos dos caçadores-coletores contemporâneos. Então, não era uma utopia feminista.
Mas, no momento, não há evidência de que as mulheres eram reclusas. Não eram mantidas dentro de suas casas. Eram essenciais para a economia de forrageamento. Elas saíam para coletar ervas, frutas etc. Depois, parece haver uma grande mudança, não com a revolução neolítica, mas um pouco depois. Quando você tem o arado, quando você tem a irrigação, quando tem plantas domesticadas, rebanhos domesticados. Então, as pessoas têm riqueza herdada. Então, essa riqueza herdada era muito insegura porque outros homens poderiam querer suas coisas. Então, o que os homens faziam? Eles tendiam a se reunir em clãs patrilocais para proteger suas coisas. Você quer força em seus irmãos, tios, primos. No mundo, quando vemos o surgimento do arado, onde vemos rebanhos domesticados, esses grupos tendem a ser patrilocais.
Outra grande mudança ocorreu com as tecnologias militares. Então, havia alguns grupos que eram especialmente patriarcais. Por exemplo, os Yamnaya que vieram da estepe, que vieram da estepe eurasiática, certos grupos no Oriente Médio pareciam ser especialmente patriarcais. E quando tiveram tecnologias militares avançadas, isto é, o cavalo e as bigas, que foram desenvolvidas por volta de 4 mil anos atrás, eles conquistaram outros grupos e institucionalizaram domínio patriarcal. Quando um grupo de patriarcas captura uma cidade, eles podem impor sua lei, e então essas autoridades patriarcais podem acumular mais poder e riqueza porque seus exércitos lhes permitem conquistar novas terras. Eles estão acumulando todos esses recursos e podem institucionalizar o patriarcado.
E porque eles são a elite, todos podem admirá-los e querer ser como eles. Como você age como a elite? Quando você também se torna muito mais patriarcal. Por exemplo, você começa a colocar mulheres em reclusão. Também temos a Era Axial. Este é o nascimento das religiões, especificamente, as de castigo sobrenatural moralizador. E muitas dessas religiões Abraâmicas, Cristãs, Hindus tendiam a ter essa ideia de que as mulheres deveriam ficar em casa, que deveriam ficar reclusas. e, muito importante, que a honra dos homens depende da proteção da castidade das mulheres. E assim, nessas sociedades, as mulheres tendiam a se retirar para a esfera privada.
Portanto, religião e cultura parecem reforçar essas coisas, mas tudo isso é moldado pela geografia. Em culturas onde montanhas ou oceanos ou parasitas impedem algumas dessas mudanças, você não vê o surgimento da reclusão feminina. Por exemplo, muitos desses jovens pastores Yamnaya nunca chegaram às Américas por causa do imenso Oceano Atlântico. Então, essas conquistas patriarcais não aconteceram na América Latina.
Portanto, para a maior parte do período pré-colonial, populações indígenas nativas, nenhuma delas tinha essa ideia de reclusão feminina. Isso simplesmente não foi para lá. E acho que parte disso é o fato de que essas populações patriarcais não conquistaram, porque o maior animal de lá era a lhama. Essa lhama torna mais difícil acumular riqueza, porque não se pode transportar essa riqueza. Portanto, é muito mais difícil acumular riqueza através da lhama. Em outros lugares, o comércio teria levado alguns homens ricos a se tornarem super ricos através do comércio. Aqui é mais difícil.
Já, por exemplo, na região dos Andes, as comunidades Ayllu tendiam a ser muito mais igualitárias, tinham riqueza comunal, e assim, as mulheres não eram reclusas. Na verdade, as mulheres eram muito importantes para o que chamam de trabalho “minga”, que é como um trabalho recíproco. Pela América do Norte e no Brasil, grupos tinham mobilidade, portanto, valorizavam muito o trabalho feminino.
Muitos desses grupos eram matrilineares, rastreando a descendência através da linhagem feminina. Nada disso significa que as mulheres eram necessariamente autônomas ou livres. Por exemplo, os Incas circulavam por diferentes aldeias e levavam meninas entre a serem sacrificadas ou dadas aos chefes provinciais. Mas o ponto é que as mulheres indígenas das Américas nunca foram reclusas. E este é o ponto realmente importante: reclusão feminina. Porque é a reclusão feminina que determina se as mulheres no século 20 saem para trabalhar ou não.
Ao redor do mundo, há uma grande diferença em relação a se as culturas priorizam a reclusão feminina. Em algumas sociedades, como no Oriente Médio, Norte da África, Sul da Ásia, e historicamente, na Ásia Oriental, a honra dos homens dependia da castidade feminina. E isso é resultado das forças que mencionei anteriormente. Então, quando o século 20 possibilita crescimento econômico gerador de empregos, nessas sociedades, mesmo que as pessoas vejam oportunidades de emprego, porque a honra dos homens é tão dependente de manter as mulheres em casa e garantir a castidade delas, eles podem dizer: “Ei, simplesmente não vale a pena. É realmente importante para mim ser visto como honrado e respeitado. Eu não quero que comecem a fofocar sobre nós”. Então, as mulheres não vão trabalhar fora. Nessas sociedades, é preciso um nível massivo de crescimento econômico criador de empregos para que o emprego feminino cresça, pois a renda disponível tem que ser suficientemente alta para compensar a perda de honra dos homens.
E foi isso que aconteceu na Ásia Oriental. As fábricas abriram em todos os lugares, muitos recrutadores de fábricas vieram às vilas e os pais pensaram: “Ei, eu me preocupo com minha honra, mas valeu a pena. Os retornos da renda foram muito bons.”
Já na América Latina, é um pouco diferente, porque os indígenas não tinham uma preferência tão forte pela honra, também porque muitos dos imigrantes europeus não tinham essa forte concepção de reclusão feminina. Então, é necessário menos crescimento econômico criador de empregos para que as mulheres saiam para trabalhar. E, de fato, na América Latina, vimos que o emprego feminino muitas vezes é anticíclico.
Ou seja, quando os negócios estão muito ruins, as mulheres vão trabalhar porque estão desesperadas pela sobrevivência da família. E mais famílias cada vez mais dependem da participação feminina na força de trabalho. Na América Latina, as mulheres realmente buscam oportunidades econômicas. Então, com o aumento da educação feminina, com a queda da fertilidade, e também um fato realmente grande e pouco reconhecido sobre a América Latina é que a América Latina tem uma porcentagem muito alta de pessoas vivendo em cidades em relação ao seu nível de desenvolvimento.
Então, se você olhar pelo mundo, em países mais pobres as pessoas tendem a ser muito mais rurais. A América Latina é na verdade fortemente urbanizada, tão urbanizada quanto muitos países europeus. E isso faz uma grande diferença para várias coisas. Uma é que permite que as normas sociais mudem muito mais rapidamente. Se você está reunido em cidades, você está conectado pelo rádio, lê jornais, vê alternativas, vê greves, vê protestos, e pode ver uma mulher indo para um escritório, você pode ver um mural celebrando mulheres, vê algumas mulheres construindo sua própria casa… Toda essa heterogeneidade, toda essa diversidade faz você repensar suas crenças, seja sobre mulheres ou sobre a igreja.
As cidades realmente catalisam mudança social. Elas podem fazer as pessoas rejeitarem suas crenças tradicionais e se tornarem muito mais abertas, liberais e seculares. E essa é uma parte muito importante da história da América Latina. Não é apenas que as mulheres precisam trabalhar, mas também os latino-americanos, especialmente os de classe média, têm se tornado muito mais seculares. E eu acho que as cidades são uma parte importante desse processo em que as pessoas veem e ouvem diferentes ideias. E assim, os latino-americanos realmente adotam cada vez mais o liberalismo, e isso é importante para o emprego feminino.
Eu estive recentemente no México por um mês, e entrevistei homens e mulheres mexicanos em seis cidades diferentes. E muitos deles me disseram que as pessoas costumavam fofocar muito, e as pessoas eram muito sensíveis a essas fofocas. Se as pessoas diziam: “Ei, aquela é uma mulher com filhos pequenos, ela realmente deveria estar em casa”, ou “Ei, essa mulher não deveria estar fazendo isso”, sabe, elas poderiam até fazer bullying… um grupo de mulheres poderia falar negativamente sobre a mulher por quem passaram “Isso não é bom. Isso não é respeitável.” Ou as pessoas até diriam: “O que as pessoas vão pensar?” “Eu não quero fazer isso porque o que as pessoas vão pensar?”
Se as pessoas antecipam a desaprovação social e realmente se importam com essa desaprovação, talvez um homem não queira que sua esposa trabalhe ou a própria mulher não queira trabalhar porque se preocupa com toda essa censura social. Mas eu acho que nos últimos 50, 20 anos em grande parte da América Latina, e especialmente nas cidades, as pessoas se tornaram muito mais individualistas. Então, elas estão menos preocupadas com o julgamento social e desaprovação. Estão muito mais focadas em “Ok, deixa eu garantir que tenho minha segurança econômica, deixa eu garantir que posso prover para meus filhos. E para isso, preciso trabalhar.” Não importa o quê, sabe… “Mesmo que alguém na rua pense que isso não é bom, que seja.”
Pessoas no México diriam: “Mesmo que eu seja julgada por alguma mulher na rua, ela não vai me ajudar. Ela não vai pagar pela educação dos meus filhos. Ela não vai me alimentar amanhã. Então, deixe-me focar em fazer o que eu preciso. Deixe-me seguir em frente e que seja.” Eu acho que esse processo… Desculpe, foi uma resposta muito longa à sua pergunta original. Mas eu acho que isso faz parte do processo de como cidades e algumas oportunidades econômicas, juntamente com a queda da fertilidade e o aumento da educação feminina, significam que agora vemos essa mudança ao longo do tempo.
Alice Evans:
Sim, claro. Desculpa.
Alice Evans:
Sim, isso… Deixe-me acrescentar outro ponto interessante sobre geografia.
Alice Evans:
Há uma boa pesquisa de Martin Fiszbein, que é argentino. E ele tem um novo artigo sobre como o tipo de cultura de planta afeta a cooperação humana. Na América… em partes da América, onde a única cultura que você poderia cultivar requer muito e muito trabalho, as pessoas tinham que cooperar mais. E nessas sociedades e nessas comunidades, elas tendiam a dar a seus filhos nomes comuns, eles queriam se conformar, elas não queriam se destacar da multidão. E mesmo hoje, as pessoas têm maior probabilidade de serem muito mais comunitárias e de preferirem esportes coletivos. Assim, também na China… na China e no Leste Asiático, as pessoas cultivam arroz e isso é muito intensivo em trabalho. E Thomas Telhelm, um economista, teoriza que isso deu origem à cultura coletivista leste-asiática. Porque as pessoas precisavam cooperar na construção de irrigação, no transplante de mudas, o que as tornou uma sociedade culturalmente mais unida.
Há um exemplo da América Latina, que eu teorizo, ou melhor, eu especulo. O cultivo de batatas nos Andes era muito trabalhoso porque o que eles fazem, e é muito específico dos Andes, eles não apenas cultivam as batatas, mas também as deixam ao ar livre, durante a noite, para congelá-las e depois, durante o dia, para secá-las ao sol. E este processo leva cinco dias. É um processo muito trabalhoso e muito especial dos Andes. Só é possível fazer isso porque é muito frio e depois muito quente. Isso era muito importante porque, com a liofilização das batatas, elas duram muito mais tempo. Caso contrário, elas apenas apodreceriam. Então, as batatas eram superimportantes. Elas permitiam transportar e alimentar soldados, por exemplo, no Império Inca. Nós também sabemos das mulheres andinas. Há também evidências interessantes de mil anos atrás, analisando esqueletos em tudo o que é agora o Peru. E eles descobriram que nas áreas de altitude, os ossos mostram muito mais desgaste, o que sugere que as pessoas trabalhavam muito duro. Já nas áreas costeiras de baixo, os esqueletos têm muito menos desgaste.
E hoje, no Peru, nas áreas de altitude, mulheres rurais e urbanas trabalham a taxas muito altas. É como 90% das mulheres estão no mercado de trabalho. E elas também têm essa concepção muito forte, como eu estava dizendo antes, de trabalho recíproco “minga”, de as pessoas se ajudarem em sua comunidade. E os peruanos também têm essas ideias muito fortes de conformidade, ideias de parentesco, de coletivismo e de controle social do grupo. Então, eu acho que a batata andina é um bom exemplo de que quando você vive em uma montanha, e a planta que você cultiva para a sua vantagem absoluta é muito trabalhosa, isso incentiva todas essas instituições de trabalho recíproco, que por sua vez dão origem a uma cultura de interdependência, coletivismo e cooperação com muito menos apoio para alguém ser individualista. Você só consegue manter essas instituições de trabalho recíproco se disser não a alguém que quer ser totalmente estranho, maluco e quer fazer sua própria coisa, você precisa punir o dissenso etc. Enquanto o trigo, por exemplo, não requer muito trabalho, não requer muita interdependência. Culturas que cultivam trigo tendem a ser muito mais individualistas. Os italianos, por exemplo, ou na Grécia, cultivavam trigo. E essa cultura seria muito mais individualista.
Então, sim… A geografia pode moldar a cultura. Não é a única coisa. Mesmo entre culturas que cultivam trigo, vemos muita heterogeneidade. Os egípcios são muito diferentes dos italianos hoje. E, precisamos rastrear toda a história disso. Enfim, esse foi outro exemplo de geografia. Desculpa, você deve me interromper porque eu só vou continuar falando.
Alice Evans:
Como Alice na toca do coelho. Vou cair na toca do coelho e você precisa me tirar de lá.
Alice Evans:
Esta é uma ótima pergunta, uma ótima pergunta.
Alice Evans:
Sim. Sim. Estou tão feliz que você trouxe o pastoralismo à tona. É um exemplo de um ativo herdado que você gostaria de passar pela linha masculina. E você precisa de um grupo forte de homens para proteger e salvaguardar. Os pastoralistas tendem a ter uma forte cultura de honra. Eles tendem a glorificar a violência porque os homens precisam agir de forma dura e como machos para que ninguém ouse roubar suas coisas.
Há um bom artigo de Cao et al., e eles descobrem que os pastores tendem a ter essa cultura de honra, eles tendem a valorizar a violência, mas ao redor do mundo e ao longo do tempo, há muita diversidade nas culturas pastoris. Por exemplo, os mongóis e o antigo grupo turco da Ásia Central reconheciam as mulheres como autoridades. As antigas inscrições de Orkhon diziam que o Khan e a Khatun decretam, como o rei e a rainha. Ambos dizem isso.
E os mongóis que estão na estepe eurasiática… Havia pequenas garotas que cresciam com cavalos, e os cavalos podem ter reduzido as vantagens biológicas dos homens porque, mesmo que os homens tenham mais resistência, sejam mais fortes e mais durões, em um cavalo uma mulher pode ser rápida e muito proficiente com arco e flecha. Os mongóis e os antigos grupos turcos usavam o que chamam de arco recurvo. E ele é muito leve. E você pode fazer acrobacias muito boas, como ficar de pé ou de ponta-cabeça num cavalo e coisas do tipo. E as mulheres eram muito boas com esse arco recurvo porque ele era muito leve. Não exigia uma grande força masculina de membros superiores. E, então, eles encontraram muitos túmulos de guerreiras jovens com muitas e muitas armas. A ideia é que as mulheres podiam ser tão boas quanto os homens.
E há uma área na Anatólia, no norte da Turquia, temos as amazonas. Heródoto escreveu sobre elas, há muitas evidências de que as Amazonas realmente existiram. Era um grupo de mulheres que eram guerreiras montadas. Elas não só tinham o cavalo, mas também podiam treinar um falcão, ou treinar um gavião, ou treinar um cachorro para acompanhá-las na caça. Esse é um exemplo de pastores onde as mulheres podem ter status.
Por exemplo, a Nigéria, hoje, é muito patriarcal, especialmente o norte da Nigéria, que estava sob o Califado de Socoto, que tem ideias islâmicas muito estritas onde as mulheres são mantidas em casa. A participação feminina na força de trabalho é muito baixa, mulheres não podem falar publicamente e todas usam véus. Mas na verdade, no século 16, esse mesmo grupo étnico, os Hauçás, eram liderados pela Rainha Amina. Era um exército militar que era liderado por uma rainha! Portanto, mesmo na mesma região, podemos ver uma enorme variação cultural. Ou hoje no Egito e na Somália… bem, o Alto Egito é uma espécie de pastoreios porque é muito seco, aquele ponto do Nilo é bem estreito, não pode sustentar muitas culturas de plantas. Então, as pessoas são pastoralistas. Hoje, toda essa região é muito patriarcal. Somália, extremamente patriarcal. Mas voltando 3 mil, 4 mil anos atrás para o Reino de Núbia, havia muitas rainhas, as mulheres se moviam livremente. Há muitas evidências de que mesmo na mesma geografia podemos ver uma enorme evolução cultural. Portanto, geografia e cultura de plantas podem fazer parte da história, mas não são deterministas. Isso é o que torna o meu trabalho muito difícil, eu preciso rastrear cada coisa de milhares de anos atrás até hoje.
Alice Evans:
Deixe-me lhe dar um exemplo disso?
Alice Evans:
Você sabia… que talvez em 700 a.C. na Arábia havia rainhas? Os assírios escreveram sobre sete rainhas dos árabes, e detalharam-nas em suas batalhas. E, sabe, isto é a Arábia. É um dos lugares mais patriarcais, hoje. O Golfo Árabe: Catar, Arábia Saudita… Havia sete rainhas, tudo registrado. Existem alguns relevos palacianos mostrando essas rainhas. E o que pode ter acontecido é que essas mulheres lideravam seus exércitos, mas depois seus exércitos eram frequentemente massacrados. E quando os assírios as humilhavam, eles até incluíam relevos horríveis mostrando mulheres árabes sendo assassinadas e massacradas e até matando um bebê no útero. Talvez os árabes tivessem líderes femininas, mas, logo, se viram massacrados pelos assírios, que também eram muito patriarcais e pensaram: “Ok, não gostamos desse sistema. Não está dando certo para nós.” Então, sim, absolutamente, as coisas podem mudar. As coisas podem mudar. Poderia ter sido devido a humilhação vinda pelos assírios que poderia ter levado a uma mudança cultural.
E, por exemplo, na África subsaariana, a expansão Bantu, que ocorreu três ou quatro mil anos atrás, que são Bantus saindo do Golfo da Guiné e se espalhando pela África subsaariana. Se olharmos os dados genéticos, parece que eles teriam atacado outros grupos. Agora, se você estiver sob ataque, o que pode acontecer é que você forma um clã patrilocal para se proteger contra estrangeiros. Então, todas essas dinâmicas são diferentes. Exatamente como você disse: a competição pode levar a uma mudança nos sistemas de parentesco.
Alice Evans:
Eu diria que hoje não existem sociedades matriarcais. Acredito que só exista na Barbielândia. Mas há sociedades matrilineares, que é quando a descendência é traçada pela linhagem feminina. Agora, sociedades matrilineares não são necessariamente matriarcais. Mesmo que a descendência siga pela linha feminina, geralmente, as mulheres têm mais liberdade para se mover, mas muitas vezes a figura de autoridade é o tio em vez do pai. Não é como se fosse uma utopia feminista. Essas sociedades matrilineares também são incrivelmente vulneráveis e muito frágeis. Nenhuma sociedade matrilinear já ficou rica.
Na minha teoria é porque os homens não gostam de sistemas matrilineares, porque, por exemplo, em Bembaland, na Zâmbia, trabalhavam para os pais de sua esposa. O homem não tinha status, ele era um ninguém. Ele tinha apenas que cultivar os campos deles. Ele não era dono da terra. Ele não tinha posse ou controle sobre seus filhos. Ele era um forasteiro, ele não era nada. Portanto, em toda sociedade, sistematicamente, quando você vê um crescimento do mercado de trabalho assalariado ou o surgimento de alguma outra forma dos homens ficarem ricos, algum tipo de independência econômica, os homens abandonam o sistema matrilinear.
Então, na Zâmbia, os homens deixaram as aldeias e foram trabalhar nas minas do cinturão de cobre, e então começaram suas próprias famílias nucleares. Eles não gostavam da matrilinearidade. Por que você gostaria de estar sob o sistema de outra pessoa? E assim, os sistemas matrilineares enfraquecem por dois motivos. Primeiro, os homens não gostam deles. Em segundo lugar, os homens nunca são contidos. Então, como a herança matrilinear é descendente pela linhagem feminina, eles não controlam os homens, então não impedem os homens de se mudarem. Eles se preocupam com a mulher e ela ter filhos. Então, os homens não têm restrição alguma. Se um homem quer ir até o cinturão de cobre, ele pode. O homem tem o incentivo econômico para partir e nenhuma restrição. Então, ele o faz. Assim que surge uma oportunidade de emprego e crescimento econômico, ele parte.
O mesmo não acontece em sistemas patrilineares. Eles são muito mais estáveis. Por quê? Porque os sistemas patrilineares traçam a descendência pela linha masculina. Eles se preocupam enormemente com a pureza e a certeza paterna. Então, você só sabe que aquela criança é sua se você impuser restrições à mulher. Porque se a mulher se movimentar livremente, então quem sabe com quem ela tem se relacionado sexualmente?
Sistemas patrilineares tendem a ter uma preferência pela castidade feminina. É muito mais difícil para as mulheres simplesmente irem embora. Existem restrições muito mais severas. Claro, isso varia um pouco com a cultura, mas na maioria das vezes, culturas patrilineares, que traçam a descendência pela linha masculina, colocam obstáculos para as mulheres se movimentarem livremente e isso as torna um pouco mais duráveis.
Alice Evans:
Ótima pergunta. Acho que existem dois… três! Vamos dizer que existem três impulsionadores muito importantes. Um é o crescimento econômico ligado à criação de empregos. Ásia Oriental costumava ser incrivelmente patriarcal. As mulheres não tinham liberdade, eram oprimidas, seus casamentos eram arranjados. Uma mulher seria tirada de uma casa, para casar-se em outra, depois era reclusa e vigiada. Assim, na China, no início do século 20, muitas mulheres tinham os pés quebrados e atados, e isso era para sinalizar a castidade, mostrar que elas não sairiam do interior da casa. E se você olhar para a poesia chinesa, as mulheres falam sobre quão tristes elas são, a falta de liberdades, elas não possuem sua própria terra, estão na casa de outra pessoa. Então, as mulheres eram terrivelmente, terrivelmente abusadas. Mas isso mudou com o crescimento econômico ligado à criação de empregos. Industrialização em massa e, como eu disse, a renda compensou a perda de honra dos homens. Logo, as mulheres foram autorizadas a ir para as cidades, onde se misturaram e viram alternativas e começaram a namorar independentemente. Elas também mandaram dinheiro de volta para seus pais e demonstraram piedade filial. Assim, os pais passaram a favorecer as filhas.
Na Coreia do Sul, por exemplo, agora há uma preferência por filhas porque são vistas como de valor igual. E isso também interage com a existência de aposentadorias. Agora que os pais na Coreia do Sul não têm tanta insegurança econômica, tudo bem ter uma filha. Então, é realmente importante ter crescimento massivo de empregos e renda, porque isso é o que impulsiona o emprego feminino. O emprego feminino é fundamental porque permite que as mulheres se reúnam. Permite que as mulheres compartilhem ideias. Permite que elas reclamem e lamentem sobre o patriarcado. Antropólogos falam sobre coalizões de dominação reversa. Ou seja, mulheres se unindo e contestando privilégios patriarcais, dizendo: “Ei! Não me venha com mansplaining” ou “Não me trate como se eu fosse uma idiota”, ou “Não seja tão rude”, ou defendendo suas amigas, ou se sua amiga é abusada e maltratada, dizer: “Ei, você merece algo melhor”.
Muitas mulheres podem suportar abusos ou maus-tratos horríveis, seja de seus irmãos, pais, colegas de trabalho, chefes ou maridos, porque simplesmente não questionam. Ou talvez elas não achem que podem ter algo melhor ou porque não acham que há alternativa. Mas se elas se reúnem com outras mulheres, se veem o Ni Una A Menos, elas podem vir a rejeitar essa ideologia de vergonha e estigma que mantém as mulheres em silêncio e com medo, o que as impede de exigir responsabilização.
Então, esse é o segundo mecanismo: coalizões de dominação reversa. E isso pode ser você e sua amiga. Não necessariamente uma amiga. Pode ser um amigo homem. Pode ser um protesto. Pode ser uma manifestação de rua. Pode ser redes sociais. Por exemplo, existe a canção Azul Mineral. Você já ouviu a canção Azul Mineral que estava em muitos protestos latino-americanos no dia 8 de março? Há essas mulheres e elas dizem que, você sabe, “por sei lá quantos séculos, as mulheres foram abusadas e não vamos mais aceitar isso…” Eu não lembro a letra, mas é um canto muito poderoso. E se você olha os TikToks das marchas de mulheres ou protestos na América Latina, eles frequentemente usam o canto Lao Crespo, porque é tudo sobre criar esse sentimento de solidariedade de que as mulheres têm sido abusadas por tanto tempo, e não vamos mais aceitar isso. Portanto, trata-se de construir um senso de solidariedade, e isso é muito, muito importante. Então, esse é o segundo mecanismo. Primeiro, é o alto emprego feminino. O segundo é o ativismo feminista, não apenas grandes protestos, mas também pequenos grupos de solidariedade que podem até ser duas irmãs.
Um terceiro impulsionador importante, mecanismo importante, é a capacidade do Estado. E isso é importante por dois motivos. Em situações muito anárquicas, como talvez o norte do México, especialmente historicamente, os homens têm que agir de forma dura para que os outros caras não mexam com eles.
Então, você tem essa ideia de machismo: homens agindo de forma dura e, sistematicamente, em toda a América Latina, em lugares onde as pessoas pensam que os homens devem ser duros, onde você deve ser um justiceiro, onde um homem deve fazer cumprir a lei e a ordem, onde ele deve fazer justiça com as próprias mãos e portar uma arma. Esses tipos de lugares tendem a endossar a agressão à esposa. Então, você tem esses caras muito, muito machos que precisam expressar essa dureza, e essa criminalidade geral tende a ser associada a um autoritarismo mais punitivo sobre suas esposas. E isso é importante por outro motivo.
Na América Latina, houve esses protestos massivos, como estávamos dizendo, sobre violência de gênero. Mas ainda assim, o Estado é frequentemente percebido como criminoso, incapaz e inepto. E isso significa duas coisas, que as mulheres podem não denunciar a violência de gênero ou a polícia pode não fazer nada a respeito. E assim a impunidade masculina para a violência de gênero pode continuar.
Então, uma amiga minha, Carlene Ortega, acabou de fazer uma pesquisa interessante em Porto Rico, e descobriram que existem novos tribunais de violência doméstica para mulheres, mas eles não mudaram nada porque as pessoas ainda pensam que o Estado é corrupto. Elas ainda pensam que a polícia não fará nada a respeito. Poulami Roychowdhury, da Índia, tem um livro muito bom chamado “Mulheres Capazes, Estados Incapazes”. E mesmo que as mulheres recorram à polícia, mesmo que peçam ajuda, a polícia está tão sobrecarregada que diz: “Ei, apenas vão embora, mulheres. Vão embora.” Então, um grande problema na América Latina, especificamente, e também em lugares como a Índia e a África subsaariana, é que mesmo tendo mulheres trabalhando e grandes manifestações feministas, se as pessoas pensam que o Estado não as ajudará, então essa impunidade masculina pela violência pode persistir.
Deixe-me dar um exemplo pessoal. Quando eu estava em Oaxaca, no México, fui atacada. Recebi um soco no rosto, um cara pegou meu telefone, etc. Eu estava coberta de sangue. Então eu corri, corri, corri, corri. De qualquer forma, liguei para a polícia. O que eles fizeram? Nada. E assim eu imagino que muitos mexicanos têm uma percepção semelhante da polícia. Se você acha que a polícia é inútil, então você não recorre a eles para pedir ajuda. Mas isso significa que os homens continuam a praticar violência e sabem que podem continuar a fazê-lo impunemente. Então, você precisa dessas três condições: emprego feminino elevado, porque permite a solidariedade, as coalizões de dominação reversa e um Estado capaz. Agora, se você não tem todas essas três condições, não funciona. Por exemplo, a China tem emprego feminino elevado, um Estado forte, mas não tem ativismo feminista. Então, o Estado continua sendo muito, muito autoritário.
Tiantian Zheng tem um novo livro chamado “Intimidade Violenta”, e ela mostra que a polícia simplesmente ignora mulheres que afirmam terem sido agredidas pelos maridos. Então, o estado é incrivelmente autoritário. O governo, que é quase inteiramente masculino, na verdade, descriminalizou a violência doméstica. Então, é perfeitamente legal bater na sua esposa, realmente machucá-la psicológica e fisicamente. Se você não tem ativismo feminista, se você não tem essa pressão sobre o Estado para ser reformado, então não importa se o Estado é forte. São essas três condições. Você precisa de todas elas, idealmente.
Alice Evans:
Muito alto. Muito alto, sim.
Alice Evans:
Exatamente. O comunismo no Leste Europeu e na China ajudou a promover o avanço econômico das mulheres. Ajudou a diminuir a desigualdade de gênero na economia. Mas em termos de feminismo, foi totalmente sufocado, totalmente suprimido. Então, ainda hoje, no Leste Europeu, as pessoas continuam a endossar essas ideias misóginas de que se uma mulher é estuprada, ela provavelmente estava pedindo por isso. “O que ela estava fazendo? Com quem ela estava?” Então, sim, eles tendem a ser um pouco mais sexistas e há menos pressão para ter mais mulheres no parlamento etc.
Alice Evans:
Sim.
Alice Evans:
Deixe-me dizer que … é possível que vilas mudem para se tornarem mais igualitárias em termos de gênero. Por exemplo, na Inglaterra, as pessoas nas vilas ainda podem ser muito igualitárias. Então, é possível ter vilas muito igualitárias. E eu estava em uma pequena cidade no Alabama, onde muitas mulheres estavam trabalhando, pais respeitados brincando com seus filhos. Então, não é impossível, não é impossível. Mas em lugares, como em partes da África subsaariana, no Oriente Médio, Norte da África e Sul da Ásia, tendemos a ver um policiamento muito mais forte e próxima das pessoas. Um policiamento muito forte. E isso se relaciona com o que estávamos discutindo antes sobre a interdependência. Onde você depende de outras pessoas, você é muito mais sensível ao ostracismo.
Como eu estava dizendo antes, você me perguntou: “Alice, você não se importa se as pessoas falam algo negativo sobre você?” Bem, eu tenho um certo grau de independência. Tenho alguma independência econômica. Então, mesmo que um grupo não goste de mim, está tudo bem. Tenho outros amigos. Portanto, não importa tanto se existe esse desgosto de uma seção da sociedade. Porque eu sempre posso encontrar outras pessoas que são muito legais comigo e que me apoiam. Isso não acontece na vila. Na vila, há um grupo que tende a ser mais socialmente dominante e, se eles o ostracizarem, você está fora.
Então, não é apenas sobre ser ostracizado ou não, mas quais são suas opções de saída, quantos outros grupos existem. Em vilas onde as pessoas são economicamente interdependentes, onde dependem umas das outras para uma segurança mútua, você precisa estar muito preocupado se for ostracizado. Além disso, em lugares muito pobres, há muito mais interdependência econômica. Em segundo lugar, nesses lugares muito pobres, há menos exposição a mídias alternativas. Portanto, enquanto na vila inglesa alguém ainda pode ter segurança básica e ser capaz de assistir a muitas mídias diversas que podem ajudá-los a ver as coisas de maneira diferente. Em uma vila indiana, pode haver menos dessa exposição à heterogeneidade internacional e, mesmo que vissem, ainda seriam relutantes a “sacudir o barco”. Então, na maioria das vezes, é muito difícil estimular a mudança em vilas.
No ano passado, visitei muitas vilas indianas no estado de Bihar, que fica no norte da Índia. É incrivelmente patriarcal. Então, as mulheres usam véu, raramente trabalham e a taxa de participação feminina na força de trabalho é de cerca de 6%. Portanto, é uma das taxas mais baixas do mundo. E perguntei às mulheres, se conheciam alguma mulher que tinha saído de sua aldeia para trabalhar, e elas sempre diziam não. Elas simplesmente nunca tinham ouvido falar disso. Não é como São Paulo, onde você vê toda aquela diversidade, vê tantas coisas diferentes acontecendo. Se você nunca vê uma mulher deixando a aldeia, se nunca ouve falar disso, então você pode nem mesmo considerá-lo.
Além disso, se a única mulher que sai da aldeia sofre um grande choque negativo e todos falam mal dela. “Oh, eu aposto que ela foi para Delhi e aposto que ela fez isso.” “Oh, ela provavelmente é uma mulher muito ruim.” Então, não tem qualquer tipo de efeito de modelo (a seguir) porque tudo o que as pessoas ouvem são essas histórias negativas.
Nessas sociedades fechadas, os homens dependem muito de seu “jati”, isto é, de seus parentes, estão preocupados com a segurança mútua. Então, ninguém quer “sacudir o barco”. É como um problema de ação coletiva em que nenhuma família quer se destacar porque então serão ostracizadas. Então, todo mundo se conforma, mas então ninguém vê ninguém “sacudindo o barco”.
Eles pensam: “Ah, todo mundo vai nos julgar negativamente.” E, na realidade, pode haver uma percepção equivocada. Existe essa pesquisa muito interessante, na América Latina e em todo o mundo, chamada “Percepções Equivocadas de Normas de Gênero”. E descobrem que as pessoas tendem a subestimar o apoio dos homens ao emprego feminino. E isso vai ser muito maior em vilas porque você nunca viu nada diferente. E você se preocupa muito com a aprovação social. Então, você nunca vê nada diferente e realmente se importa com o que os outros pensam. E assim, você simplesmente segue a corrente. Então, você fica preso a essa homogeneidade, fica preso a esse equilíbrio negativo onde nada muda. É por isso que nas cidades vemos uma mudança social muito mais rápida.
Alice Evans:
Ok. Essa é uma ótima pergunta. Vamos pegar a França como exemplo. O francês é uma língua com marcação de gênero, com masculino e feminino. É também um dos países com maior igualdade de gênero no mundo. As mulheres ganham 44% da renda proveniente do trabalho. De todo o trabalho remunerado, Mulheres também são quase metade do parlamento. Então, há muita igualdade de gênero na França. Portanto, claramente, uma língua com marcação de gênero não é uma barreira para a igualdade de gênero relativa. Além disso, eu diria que devemos pensar em como as pessoas realmente formam seus estereótipos sobre as mulheres.
Muitas evidências sugerem que é observando as comunidades do entorno delas. Se veem homens em posições de liderança, se veem outros respeitando os homens como sendo autoridades conhecedoras enquanto esperam ver mulheres esfregando e varrendo o chão, então é isso que molda seus estereótipos. É crescendo em sua pequena vila ou grande cidade, observando o que outras pessoas da sua comunidade fazem, quem respeitam e como tratam os outros. Isso é o que molda nossa visão sobre as mulheres.
E não é apenas sobre estereótipos de gênero. Trata-se também de políticas governamentais. Em muitos países da América Latina, o dia escolar é muito curto porque colocam os alunos em turnos, um grupo vai de manhã e o outro vai de tarde. Para aproveitar melhor os poucos edifícios escolares. Isso cria uma dificuldade enorme para os pais, o que muitas vezes empurra as mulheres para trabalhos mais informais. Porque, se seu filho só estuda, digamos, das 8h às 14h, como você consegue um emprego em tempo integral? Assim, você acaba optando por um trabalho inferior, que geralmente paga menos. E os empregadores também terão esses estereótipos. Eles provavelmente pensarão: “Bem, uma mulher será um tanto inútil porque ela pode ter um filho, e o que ela fará às 14h?”
Portanto, essa é uma política governamental que está prejudicando os pais. E, sejamos honestos, esse ônus geralmente recai sobre as mães. Essa é uma política pública que terá muito mais impacto na capacidade das mulheres aproveitarem oportunidades econômicas e nos preconceitos dos empregadores contra as mães.
Para mim, se olharmos para as evidências e vermos que países de línguas com marcação gênero, como a França, podem ter uma alta igualdade de gênero, se pensarmos como as pessoas de fato formam seus estereótipos de gênero e pensarmos sobre as restrições do mundo real para as mulheres no mundo do trabalho, eu diria que a política pública que é muito mais séria, seriam duas coisas: a política do dia escolar e também se a polícia é ineficaz em responder à violência de gênero, essas seriam prioridades muito maiores.
E, em terceiro, a falta de empregos. A falta de empregos deveria ser uma terceira grande política pública. Não estou dizendo o que feministas brasileiras deveriam fazer, mas, para mim, baseada nas evidências que eu vejo, eu veria que as três maiores preocupações seriam a falta de trabalho, polícia ignorando violência de gênero e as horas da escola.
Alice Evans:
Absolutamente. Dois pontos sobre isso. Há tanta pesquisa sobre isso, remete à teoria do contato. A ideia é que, quando as pessoas trabalham juntas em projetos compartilhados, passam a reconhecer socialmente o valor e competências dos outros, o que enfraquece seus estereótipos de gênero. Vemos isso no mundo do trabalho e também nas famílias. Portanto, as pessoas que observamos de perto são nossos pais ou nossos filhos.
Em países como México, França, Suíça e EUA, muitos pesquisadores descobriram que os filhos de mulheres que trabalham têm mais probabilidade de se casar com mulheres que trabalham e apoiar a igualdade de gênero. Porque esses caras viram suas mães fazendo isso. Eles viram suas mães trazendo dinheiro para casa, viram suas mães em posições de autoridade, viram suas mães fazendo coisas importantes. E assim, eles percebem que as mulheres podem fazer isso. E também, realmente importante, filhos de mulheres que trabalham aprendem a ser um pouco mais independentes, porque eles não têm uma mãe esperando por eles sempre à disposição. Eles não têm uma mulher que está lá para cozinhar todos os dias. Então, esses caras crescem aprendendo talvez como cozinhar seu próprio jantar, como fazer seu próprio café, então, eles são menos propensos a esperar subserviência feminina. Esses caras são independentes. Eles cresceram assim. Então, eles não necessariamente buscam isso em uma esposa.
De forma sistemática, no México e em outros lugares, os filhos de donas de casa, primeiro, viram seus pais sendo servidos por suas mães e, segundo, eles mesmos foram muito servidos e querem isso também. É uma boa vida. E essa preferência se estende às gerações. E também, muito interessante, nos EUA, uma pesquisa mostrou que pais com filhas interromperam Janet Yellen menos em sua audiência no Congresso. E minha hipótese seria que se você é pai e tem uma filha e vê talvez as experiências dela com o sexismo e quer o melhor para ela, você a ama e se importa com ela e quer que ela se saia bem, então esses pais podem se tornar mais sensíveis às barreiras e obstáculos contra as mulheres e se tornarem mais empáticos.
Então, quando falamos sobre como o emprego feminino molda nossos estereótipos de gênero, é muito através do que você falou, através de interações diretas, não apenas reconhecendo habilidades femininas, mas também tendo essa empatia, esse cuidado, esse amor e apreciação. Absolutamente.
Alice Evans:
Ok, deixa eu adicionar dois pontos. Primeiro, eu diria que não é necessariamente o desenvolvimento econômico em si, mas um tipo muito específico, que é o que cria empregos. Você pode ter uma alta produtividade concentrada em poucos setores que não criam empregos, pode ser hidrocarbonetos ou petróleo, ou algo do tipo. Então, o que é realmente importante são os empregos, porque isso permite que as mulheres saiam de suas casas para construir essas coalizões de dominação reversa. Dito isso, como você mencionou sobre a América Latina. Definitivamente, vejo a falta de empregos como um obstáculo, pois torna muito mais difícil para as mulheres terem independência econômica e formar coalizões.
Mas ainda assim, mesmo que o progresso econômico da América Latina tenha estagnado ainda fez grandes avanços em relação à igualdade de gênero, graças a manifestações feministas e também por meio da mídia, filmes, TV, redes sociais e TikTok, por exemplo, são muito mais igualitários em termos de gênero do que eram 20 anos atrás. Então, as telenovelas eram todas sobre uma mulher pobre, a história da Cinderela… Ah, você sabe, essa mulher pobre ama esse homem rico e ela pode conseguir se ela apenas superar todos esses obstáculos. E 230 episódios depois, é o final feliz. E ela é salva por um homem rico. Então essas histórias não são mais tão comuns. Não é mais sobre a mulher ser salva ao se casar com um homem rico. Há muitas mais histórias diversas e essa cultura é importante. Como você estava dizendo antes, a persuasão ideológica.
Então, sim. A falta de desenvolvimento econômico é uma barreira, mas a mudança cultural ainda é possível, especialmente na América Latina, desde que se preserve a democracia, com ativismo feminista, liberdade de expressão e morando em cidades. Sim.
Alice Evans:
Ok. Mas você me conhece, posso levar horas para responder.
Alice Evans:
Ah, sim. Então, este é um artigo… e a forma como a mídia geralmente reportou era dizendo: “Ei, mulheres podem ser caçadoras também.”
Alice Evans:
Sim… é verdade. Mas por trás da manchete, há algumas complexidades. Então, as mulheres podem caçar, mas caçam coisas pequenas. E isso porque, antes da era moderna, as mulheres passavam 60% dos seus melhores anos da vida adulta, grávidas ou cuidando. Então, quando você não pode controlar sua fertilidade, você tem um monte de filhos.
E então é uma situação muito arriscada para uma mulher, com todos esses filhos, simplesmente sair para caçar por algumas noites na mata. Seria uma estratégia muito, muito arriscada. E assim, em culturas, muito raramente vemos mulheres saindo para a mata por várias noites para rastrear um grande cervo. Isso raramente acontece. Pode ser algo menor, como construir uma pequena armadilha para uma presa pequena, como um roedor ou algo assim.
Por exemplo, passei 18 meses vivendo na Zâmbia, inclusive em áreas rurais e na mata onde homens se envolviam em caça ilegal. Nunca vi mulheres participando da caça ilegal. Isso é algo muito perigoso. É uma viagem noturna. As mulheres nunca fariam isso. Mas as crianças, tipo, crianças pequenas me ensinaram a colocar armadilha para rato. Então, se você precisar de armadilha para rato, estou aqui. Tenho todas as habilidades de armadilha que precisar. Então, primeiro, são animais pequenos. E segundo, houve alguns problemas metodológicos no estudo. Ele classifica uma sociedade que tem caça feminina como 1 ou 0.
Mesmo que as mulheres cacem apenas um dia por ano, como no dia de Natal, como uma caça de dia de Natal, ainda seria categorizada como tendo caça. Então, não se preocupe com isso.
Alice Evans:
Isso nos leva de volta à nossa discussão anterior sobre viés de confirmação. Pessoas que são muito feministas e que querem acreditar que um mundo mais igualitário em termos de gênero é possível podem se apegar a essas histórias porque é como “Ah, o patriarcado é apenas uma invenção. Na verdade, em comunidades de caçadores-coletores, as mulheres são caçadoras.” “Isso aí! Soa ótimo!” É muito empoderador e encorajador, assim como a Barbielândia pode ser encorajadora. E, você sabe, enquanto gostamos dessas histórias de mulheres poderosas e fortes, é um pouco de uma fabricação, sabe.
E voltando ao ponto de ser aberto sobre as evidências, acho que podemos apenas nos envolver com todas essas evidências sem sermos tão ideologicamente consumidos. Ok, e daí que os homens eram caçadores? Isso não significa que os homens são naturalmente superiores. Isso não significa que nossa sociedade deve ter líderes masculinos. Tudo bem. A maioria das sociedades tinham homens que eram caçadores. Que seja. E daí? Isso não tem implicações normativas.
Alice Evans:
É uma história legal. Para feministas, pode ser uma história interessante, mas você sabe, não precisamos apenas de histórias para aprender sobre diversidade cultural. Como eu disse antes sobre os Mongóis, realmente havia mulheres que caçavam a cavalo e eram celebradas como guerreiras. Algumas dessas histórias são realmente verdadeiras. Basta olhar as evidências e discernir quais são.
Alice Evans:
Tantos livros… Alguns dos meus livros favoritos… Por exemplo, alguns dos meus livros favoritos deste ano. Ok, deixe-me pensar nos livros que eu acho mais relevantes para o público brasileiro. Eu realmente gostei do novo livro de Daron Acemoglu e Simon Johnson, “Poder e Progresso”. Ele tem uma discussão muito boa… É tudo sobre tecnologia e é sobre como as elites podem monopolizar os lucros da tecnologia e, também, usar a tecnologia para favorecer seus interesses específicos.
E mesmo que a tecnologia possa ser vista como: “Uau! É super fantástica! É super inovadora!”, ela pode não criar empregos, pode não melhorar a produtividade. Há muitas tecnologias associadas à desinformação, discurso de ódio, bolhas de filtro… E então eles argumentam que precisamos repensar nossa visão da sociedade para que empurremos a tecnologia para promover mais empregos e combater todo esse discurso de ódio na Internet. Então, por exemplo, eu acredito que, para ter progresso na igualdade de gênero, é muito, muito importante ter mais empregos.
E a tecnologia poderia realmente ajudar nisso, porque se você tivesse tecnologia que tornasse os trabalhadores mais produtivos, que aumentasse a produtividade marginal dos trabalhadores, então as empresas contratariam mais trabalhadores porque, por exemplo, a tecnologia poderia ajudar uma enfermeira a ser produtiva. Uma enfermeira pode ter dificuldade em levantar um homem de uma cama, um homem pesado. Mas se você tivesse uma tecnologia que a ajudasse a levantá-lo, isso seria fantástico. As pessoas precisam de cuidadoras mulheres, especialmente à medida que nossas sociedades envelhecem. E a tecnologia poderia ajudar em parte desse cuidado.
Existem muitas maneiras de a tecnologia trabalhar para os seres humanos e muitas maneiras de nossos algoritmos corporativos serem redesenhados para promover a democracia. Por exemplo, o Facebook foi cúmplice em incentivar, conscientemente, o discurso de ódio no genocídio de Rohingya. Permitiu e tolerou isso porque queria manter sua base de usuários. Portanto, existem muitas maneiras pelas quais eles sugerem que precisamos redirecionar a tecnologia para que ela beneficie os seres humanos.
E porque a automação agora é algo grande e, sabe, há uma real possibilidade de que a automação, se não mudar, possa levar à destruição de empregos. Porque, por exemplo, na indústria de manufatura do Brasil, se você tiver robôs aprimorados que possam substituir mão de obra menos qualificada, poderíamos ter uma grande perda de empregos. Na indústria automobilística, por exemplo, se muitos desses empregos forem substituídos por máquinas, isso poderia ser uma crise séria. Então, eu acho que a razão de ser importante não é apenas para promover o emprego feminino, mas para evitar homens irritados, porque, no Brasil, muitos homens ganham seu status, seu respeito, por serem provedores para suas famílias.
Agora, se mudanças na tecnologia e automação fizerem com que as empresas queiram cortar seus custos aumentando a automação e demitindo todos esses trabalhadores, você terá muitos homens irritados e chateados. Há algumas pesquisas interessantes mostrando no Brasil que áreas atingidas pela recessão, onde os homens perderam mais empregos na recessão do Brasil, eles eram mais propensos a votar no Bolsonaro. Quando os homens perdem seus empregos, eles podem, às vezes, ficar com raiva. Eles podem, às vezes, ficar agressivos. Quer dizer, isso não é bom para a sociedade em geral. Em todos os indicadores, é bem tóxico. E isso vale para a Europa, América e Brasil. Isso é algo que eu levo muito a sério e é um grande desafio. Então, esse livro, “Poder e Progresso”, eu recomendo. É algo que realmente devemos pensar a respeito.
Alice Evans:
Ah sim, sim.
Alice Evans:
“O Despertar de Tudo” é interessante. Eles têm uma pequena seção sobre gênero, que eu não acredito que esteja correta. Eles sugerem… Eles sugerem que em sociedades de caçadores-coletores, as mulheres tinham mais autonomia. Eles até falam sobre o caso da Zâmbia, em Bembaland, que é um lugar onde eu morei e sobre o qual eu falo. Mas isso não está correto. Mas enfim, enfim… Entendi.
Alice Evans:
Minha estratégia para tentar entender o mundo, que é uma tarefa louca, é dupla. Um, tento ler o máximo que posso de muitas disciplinas diferentes, como antropologia, arqueologia, economia, ciência política. Mas também me ajuda muito conversar com as pessoas, ouvir suas histórias. Como eu estava te contando, no México, onde as pessoas me diziam que realmente se importavam com fofocas, mas agora não se importam mais.
Ouvir essas histórias de vida é realmente importante porque me ajuda a aprender o que é importante para as pessoas e como suas vidas realmente mudaram. E o que realmente tento fazer quando estou ouvindo as pessoas é não entrar com minhas ideias preconcebidas sobre o que acho que é importante. Porque o ponto é que sou ignorante. Eu não sei sobre a vida no México. Não, eu não sou mexicana. Eu não morei no México. Então, eu chego e apenas converso com as pessoas e elas me contam sobre suas vidas. Entender a perspectiva delas e suas prioridades é o que realmente me ajuda a ter uma compreensão melhor das mudanças culturais no México. Raramente faço perguntas. Raramente digo: “Bem, me fale sobre isso ou aquilo”, porque isso seria presumir que sei o que é importante, e eu não sei.
Na verdade, algo que eu realmente gostaria, é se algum dos seus ouvintes quiser entrar em contato comigo para conversar eu adoraria se me contatassem, ficaria nas nuvens se brasileiros me contatassem e quisessem ter uma conversa, será totalmente anônimo e confidencial. Adoraria. Por favor, entrem em contato comigo. Seria fantástico. Seja eu vindo pessoalmente ao Brasil ou apenas por Zoom ou WhatsApp. Por favor, me contatem. Porque eu preciso aprender sobre o Brasil.
Preciso entender todas essas coisas que estão acontecendo. É o que venho fazendo no mundo todo. Desde 2009, venho viajando para diferentes lugares. Geralmente viajo por pelo menos três meses por ano. Vivi na Gâmbia por mais de nove meses, na Zâmbia por mais de 18 meses, no Cambodia e no Vietnã. No ano passado, estive no Marrocos por um mês, na Índia por dois meses, na Turquia, por um mês e na Itália. Este ano, estive na Espanha. Portanto, realmente tento passar muito tempo em diferentes comunidades entendendo o que é importante para as pessoas. Isso é muito, muito importante para mim. Talvez eu seja a única pessoa no mundo que fez pesquisas em seis continentes.
E agora tenho uma nova tecnologia. Essa é uma boa tecnologia. O Microsoft Translator fornece tradução automática de voz. É um aplicativo gratuito e você pode ligar para a pessoa pelo Microsoft Translate e ele traduz instantaneamente. Eles falam em português, eu falo em inglês e mostra o texto para os dois. Eu estava andando por pequenos mercados mexicanos conversando com caras vendendo coisas e foi fantástico. É uma nova tecnologia. Esta é uma boa tecnologia que realmente me permite fazer pesquisas em seis continentes, o que é muito legal.
Alice Evans:
Sim, sim. Com certeza. Eu definitivamente quero uma tradução em português. Vai me levar mais quatro anos para escrever o livro porque ainda preciso aprender a história de cada país no mundo. Quero fazer o melhor possível. Isso volta ao nosso ponto anterior de que não sou arrogante o suficiente para pensar que já sei a resposta. Este é o meu nível de confiança “na medida certa”. Não acho que sei… Então, mesmo que possa falar sobre essas coisas grandes, ainda quero conhecer melhor os países. Não sou tão arrogante. Eu preciso de um tempo para aperfeiçoar. Sabe, essa é a minha insegurança feminina, neuroticismo e ansiedade vindo. Mas espero que isso torne o livro ainda melhor.
Alice Evans:
Eu adoraria isso.
Alice Evans:
Sim, sim. Você tem muito trabalho.
Alice Evans:
Incrível. Obrigada.